Ayvu Rapyta - Palavra Habitada
Somos um grupo de contadores de histórias
que tem como fio condutor as narrativas contadas e costuradas na roca do tempo das culturas.
Buscamos no prazer das leituras, habitar com sonho e magia no coração das pessoas.
www.ayvurapyta@gmail.com e também no facebook

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Aniversarau - Rita Melém

No dia 17 de dezembro de 2008 ocorreu no Teatro Experimental Waldemar Henrique o "Aniversarau", onde festejamos a nova idade da poeta paraense Rita Melém e o lançamento do seu livro "Portapalavras". Foi uma noite inesquecível, marcada por poesia, dança, encatamento, emoções, alegrias. Em homenagem a essa grande poeta e amiga do grupo, aí está um dos vídeos dos contadores ensaiando a "apresentação - presente" para o Anivesarau!!

Celebrando a chegada do Ano Novo

Drummond nos presenteia de uma forma tão poética com uma lição não só para esse momento, mas para a vida...

RECEITA DE ANO NOVO

Para você ganhar belíssimo Ano Novo cor do arco-íris, ou da cor da sua paz, Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido (mal vivido talvez ou sem sentido) para você ganhar um ano não apenas pintado de novo, remendado às carreiras, mas novo nas sementinhas do vir-a-ser; novo até no coração das coisas menos percebidas (a começar pelo seu interior) novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota, mas com ele se come, se passeia, se ama, se compreende, se trabalha, você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita, não precisa expedir nem receber mensagens (planta recebe mensagens? passa telegramas?)

Não precisa fazer lista de boas intenções para arquivá-las na gaveta. Não precisa chorar arrependido pelas besteiras consumadas nem parvamente acreditar que por decreto de esperança a partir de janeiro as coisas mudem e seja tudo claridade, recompensa, justiça entre os homens e as nações, liberdade com cheiro e gosto de pão matinal, direitos respeitados, começando pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo que mereça este nome, você, meu caro, tem de merecê-lo, tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil, mas tente, experimente, consciente. É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre.
Carlos Drummond de Andrade

O primeiro ano de Ayvu rapyta

Uma ligação no mês de fevereiro de 2008 deu novos rumos a minha vida. Este ano que se encerra iniciou meio que incerto, um novo ciclo começava, e o que podemos esperar disso? Novidades! Devo confessar que sempre relutei a mudanças, às vezes pareço um velho antiquado disfarçado de jovem. Com as mudanças em minha vida me fechei em mim mesmo, e de certa forma isso foi bom, pois me encontrei com o meu eu, e assim pude identificar de uma forma menos dolorosa e difícil, minhas limitações, minhas potencialidades e necessidades. Pronto aí estava à chave para saber lidar com o novo.
Fazia muito tempo que a contação de histórias estava de lado em minha vida, como um brinquedo que largamos no canto do quarto, ou porque não gostamos ou por necessidade, na verdade, prioridades, que se refletirmos bem, nem são tão prioridades assim... O tempo, este bendito tempo fez com que eu deixasse a literatura da voz de lado. E então logo vi que essa era uma das minhas principais necessidades, uma necessidade da alma. E então aquela ligação de Andréa Cozzi, me convidando para um encontro de educadores e contadores no bosque, mudou tudo. Que felicidade, nunca vou me esquecer daquele dia chuvoso, típico da nossa terrinha abençoada. Lá estava para se iniciar uma nova história, que mudou a minha vida. Lá educadores da rede municipal de ensino se reuniram para levar a contação a suas escolas e fazer disseminar a literatura da voz e todas as suas possibilidades.
E aí foi indo e indo... Nasce o Ayvu rapyta por entre os sábados ensolarados e chuvosos do bosque, tornando aquele local ainda mais bonito e especial.
Fazer parte desse grupo, dessa história, é um prazer para mim. Sinto-me muito feliz a cada reunião, a cada apresentação; ao ver os olhinhos das crianças brilhando com os contos de fada, mordendo os lábios de medo com as histórias saídas das linhas do Walcir, sorrisos tímidos aparecendo após a declamação de poemas. Tudo é tão encantador; momentos que alimentam a nossa alma e que nada paga. Um trabalho que nos dá forças para levar a vida nesse “mundo grave” que anseia por poesia.
Neste fim de ano só tenho a agradecer pelo nascimento do grupo de contadores de histórias Ayvu Rapyta, a todos os integrantes que ajudaram a construir essa história, a todos que nos apoiaram e nos apóiam a todos que visitam nosso blog e compartilham conosco desse amor pela arte, pela palavra falada, habitada em cada um de nós. Que em 2009 esse amor só faça crescer, transbordar e habitar em mais e mais corações!!!

Rodrigo Grilo.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Dando mais um ponto...

ÁFRICA

África dos tambores
Das dores e das cores
África da savana, do deserto e da floresta

África, que força é esta?

Estás em todo lugar.
Em meu paladar, falar e meu cantar.

Estás dentro e fora de nós
Estás nos nós que precisamos desatar

África, que força é esta?

Será que tua força vem do maracatu ou do caruru?
Da Guiné, Egito ou Senegal?
Vem do que é novo ou do que na memória se planta?

África, que força é esta?
Ana Selma - integrante do Ayvu rapyta

domingo, 9 de novembro de 2008

Fotos do Ayvu rapyta

Após a reunião do dia 01.11 fizemos um ensaio fotográfico com a cara do grupo, cheio de risos, alegrias, fantasias... Confiram um pouco de nós :)














Roda de histórias na escola Helder Fialho Dias

Na noite da floresta de mangueiras do país das lendas, com a lua iluminando a estrada, o Gato Preto, em sua bicicleta de quatro marchas, cruzou o caminho em frente ao Cemitério, virou a esquerda e viu com seus olhinhos azuis, seu primo o Negro gato, em cima do telhado de um velho sobrado, que já na pele de sua terceira vida miava por um bom prato.
Matinta Perera, aquela que gostava de luxar, luxar e luxar voava por perto e escutou o miado faminto de arrepiar e resolveu ajudar, mesmo apressada que estava para ouvir “Visagem”, seu programa favorito de rádio. Pegou o celular e mandou um torpedo estridente fitttttttt... Convocando urgente as amigas que fazem parte da comunidade no Orkut: “Eu sou louca por gato preto”. Convocou a Bruxa Sorumbática e a velha Leanam, que naquele exato momento estavam no hall de um hotel Cinco Estrelas que fica na rua do túnel das mangueiras, com um grupo de senhoras da terceira idade, que fumavam charuto cubano e jogavam uma rodada de bole-bole, aquele tal Brinquedo visagento. Maty, é como os mais chegados chamam a Matinta, propôs que voassem até a casa do difamado Bicho Papão, aquele bom camarada que não gosta de comer criancinha (e na verdade nunca gostou), para que preparassem no caldeirão de teflon francês, a Receita de Esperteza que ele trouxe da sua última visita à bruxa Anaile Agirrab, sua professora de poemas bordados em assas de morcegos cibernéticos, e que mora atualmente em um planeta próximo à Plutão, e depois fossem levar um prato bem quentinho e cheinho e gostosinho para o Negro gato que continuava a miar no telhado do velho sobrado, para a lua que iluminava a estrada, na noite da floresta de mangueiras do país das lendas.
Valeu Maty ! Valeu! Essa tua boa ação vai pro blog do Ayvu Rapyta!
As crianças da escola “Helder Fialho Dias” ficaram encantadas (comprovem nas fotos) com tudo que aconteceu por lá nesse dia 30 de outubro. Foram Histórias de Bruxas, Matintas e visagens que começaram pela manhã e só terminaram de tardinha com o sol se pondo no horizonte.
Tudo isso aconteceu lá pelas bandas da Ilha de Caratateua, mais conhecida como Outeiro, nas três rodadas de história que fizemos e refizemos. Foi um desses dias em que sentimos que contar histórias, acima de tudo, é um ato de amor.

Valeu Joana! A bruxa Sorumbática criou vida com você.
Valeu Regina! O Bicho Papão e o Cemitério encantaram e alegraram as crianças.
Valeu Vânia! O Brinquedo visagento realmente é de estalar e arrepiar...
Valeu Paulo! Matintaperera e o gatinho de olho azul tem teu charme.
E valeu eu também! Com um Luxo de Matinta, Gato Preto e Negro Gato...miauuuu
Sigamos a diante! Afinando esse corpo que habita nossa voz celestial.
Beijos de luz para todos!


Cléa Palha
Outubro de 2008

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Contador de histórias : Caminhos e encantos vivenciais

“Há muito, muito tempo atrás lá em Capanema (Pa), um padre contou que apareceu 4 luas no céu , e era dia! o céu ficou escuro, e o dia virou noite”..... (Raimunda Souza).
Raimunda Souza era minha avó, e quando ela contou essa história provavelmente tinha 7 anos, pois lembro bem, que senti um medo danado! e isso me motivou para seguir seus passos como contadora. A sensação de escutar as histórias de terror que ela contava tocou meu coração. E hoje sigo a trilha do contar e ouvir o encantado universo das histórias.
Minha avó trilhou pelo rico caminho da oralidade, viveu a época das fogueiras onde a noite era o grande palco das emoções de contar e encantar a todos e todas pela força da palavra que percorria o tempo vivencial conectado com a imaginação liberando as sensações presentes no coração.
Ah! a tradição oral ! tão preenchida de encantamentos! Sigo o caminho de minha avó, sou apaixonada pela tradição, e levo a magia e sua potencialidade contando aqui e ali seus saberes.
Descobri nos livros uma outra fonte o da palavra escrita, a história criada por autores que nos emocionam e nos acendem como contadores para contar e soltar ao vento a musicalidade das palavras as quais irão liberar a imaginação permitindo um encontro sintonizado com o coração e assim fluir o efeito do alimento alma que nos preenche ao ouvir a sonoridade das histórias contadas.
Mergulho no rio das histórias e a cada mergulho percebo a vontade do outra vez e quando saio desse estado sinto-me feliz de ser contadora e contribuir com a vitalidade dessa arte que atravessou as fronteiras do tempo e desembocou até os nossos dias para alegrar nossas vidas.
Eh, psiu! Pare um pouco e escute a Menomési (Deusa da memória) ela está soprando e dizendo, vá! Conte histórias você também , mas não esqueça abra o coração e os ouvidos para escutar o vento que trás as palavras pulsando para penetrar em seu ser e lhe alimentar de prazer.
Me despeço, agradecendo a todos e todas que mergulharam comigo nesse momento tão precioso e sagrado das memórias de uma contadora que como outros contadores conta e encanta a vida com histórias.

Maiolina Neves

RECEITA DE ESPERTEZA

Queridos,
o dia das bruxas já passou, mas você pode a qualquer momento encontrar uma pelas esquinas... Então, aí vai uma receita supinpa:

Vou lhe dar uma receita de esperteza.
Anote, corra,vamos, pegue o papel,
Uma caneta, um lápis, qualquer coisa,
Escreve com o dedo...


Tome nota:
Pegue um canto de unha de cotia,
Uma casquinha da maçã do rosto,
Uma folha da planta do pé,
(com chulé ou sem chulé, tudo presta)
Um pedaço do traço da linha da vida,
Um dente de alho escovado
com creme dental do bom hein!)
Pó de dente de galinha ruiva,
Casca de batata da perna,
(pode ser da direita ou da esquerda)
Cabelo de sovaco de minhoca,
Pingos de suor do romeiro do Círio,
O ultimo fio de cabelo torrado da trança de um careca solitário,
Suspiros de arraia,
E por último um chulé de soldado.
Agora misture tudo, Mexa bem.
E beba abestado... Há, há, há, há,...

Heliana Barriga

(escritora paraense)

sábado, 25 de outubro de 2008

Um pouco de poesia...




AS DUAS FLORES

São duas flores unidas
São duas rosas nascidas
Talvez do mesmo arrebol,
Vivendo,no mesmo galho,
Da mesma gota de orvalho,
Do mesmo raio de sol.


Unidas, bem como as penas
das duas asas pequenas
De um passarinho do céu...
Como um casal de rolinhas,
Como a tribo de andorinhas
Da tarde no frouxo véu.


Unidas, bem como os prantos,
Que em parelha descem tantos
Das profundezas do olhar...
Como o suspiro e o desgosto,
Como as covinhas do rosto,
Como as estrelas do mar.


Unidas... Ai quem pudera
Numa eterna primavera
Viver, qual vive esta flor.
Juntar as rosas da vida
Na rama verde e florida,
Na verde rama do amor!

Castro Alves

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Menina bonita do laço de fita - Ana Maria Machado

Era uma vez uma menina linda, linda.Os olhos pareciam duas azeitonas pretas brilhantes, os cabelos enroladinhos e bem negros.Apele era escura e lustrosa, que nem o pelo da pantera negra na chuva.Ainda por cima, a mãe gostava de fazer trancinhas no cabelo dela e enfeitar com laços de fita coloridas. Ela ficava parecendo uma princesa das terras da áfrica, ou uma fada do Reino do Luar.E, havia um coelho bem branquinho, com olhos vermelhos e focinho nervoso sempre tremelicando. O coelho achava a menina a pessoa mais linda que ele tinha visto na vida.E pensava:- Ah, quando eu casar quero ter uma filha pretinha e linda que nem ela...Por isso, um dia ele foi até a casa da menina e perguntou:- Menina bonita do laço de fita, qual é o teu segredo para ser tão pretinha?A menina não sabia, mas inventou:­- Ah deve ser porque eu caí na tinta preta quando era pequenina...O coelho saiu dali, procurou uma lata de tinta preta e tomou banho nela. Ficou bem negro, todo contente. Mas aí veio uma chuva e lavou todo aquele pretume, ele ficou branco outra vez.Então ele voltou lá na casa da menina e perguntou outra vez:- Menina bonita do laço de fita, qual é o seu segredo para ser tão pretinha?A menina não sabia, mas inventou:- Ah, deve ser porque eu tomei muito café quando era pequenina.O coelho saiu dali e tomou tanto café que perdeu o sono e passou a noite toda fazendo xixi. Mas não ficou nada preto.- Menina bonita do laço de fita, qual o teu segredo para ser tão pretinha?A menina não sabia, mas inventou:­- Ah, deve ser porque eu comi muita jabuticaba quando era pequenina.O coelho saiu dali e se empanturrou de jabuticaba até ficar pesadão, sem conseguir sair do lugar. O máximo que conseguiu foi fazer muito cocozinho preto e redondo feito jabuticaba. Mas não ficou nada preto.Então ele voltou lá na casa da menina e perguntou outra vez:- Menina bonita do laço de fita, qual é teu segredo pra ser tão pretinha?A menina não sabia e... Já ia inventando outra coisa, uma história de feijoada, quando a mãe dela que era uma mulata linda e risonha, resolveu se meter e disse:- Artes de uma avó preta que ela tinha...Aí o coelho, que era bobinho, mas nem tanto, viu que a mãe da menina devia estar mesmo dizendo a verdade, porque a gente se parece sempre é com os pais, os tios, os avós e até com os parentes tortos.E se ele queria ter uma filha pretinha e linda que nem a menina, tinha era que procurar uma coelha preta para casar.Não precisou procurar muito. Logo encontrou uma coelhinha escura como a noite, que achava aquele coelho branco uma graça.Foram namorando, casando e tiveram uma ninhada de filhotes, que coelho quando desanda a ter filhote não para mais! Tinha coelhos de todas as cores: branco, branco malhado de preto, preto malhado de branco e até uma coelha bem pretinha. Já se sabe, afilhada da tal menina bonita que morava na casa ao lado.E quando a coelhinha saía de laço colorido no pescoço sempre encontrava alguém que perguntava:- Coelha bonita do laço de fita, qual é o teu segredo para ser tão pretinha?E ela respondia:
- Conselhos da mãe da minha madrinha...

Visita da poeta Rita Melém

No dia 4 de outubro de 2008 o grupo Ayvu Rapyta teve a honra de receber a poeta Rita Melém. Foi uma experiência maravilhosa, Rita nos relatou a sua trajetória de poeta, levou uma pilha de livros dos autores que mais admira e que, de alguma maneira, a influenciaram. Contou do seu trabalho como professora e como já formou poetas mirins. O estilo adotado por Rita se chama Hai Kai, é uma forma poética de origem japonesa e significa a arte de dizer o máximo com o mínimo, são poemas curtos, mas profundos. Rita mostrou a diferença entre poema e poesia, os vários formatos de poemas, falou do seu livro “PORTAPALAVRAS” lançado recentemente na XII Feira Panamazônica do Livro e do trabalho de seus colegas, escritores do grupo Extremo Norte. O entusiasmo de Rita nos encantou e passamos a maior parte do tempo só ouvindo sua “palestra” recheada de poemas escolhidos a dedo. Mostrou-nos a beleza do ser mulher, com todos os tipos de sentimentos. Rita é a poesia em pessoa, fala calma, olhar sincero e sorriso cativante. Ao final presenteou-nos com seus poemas, que foram declamados por todos os contadores presentes, em um verdadeiro sarau. As indicações de Rita nos contagiou e muitos de nós queremos ler os poetas que ela apresentou. Ficamos felizes com sua visita e desejamos um próximo encontro. Ainda temos muito que aprender e a poeta ainda tem muito a nos dizer. Foram tantos poemas declamados naquela manhã que nem notamos o tempo passar, poemas tristes, alegres, longos, curtos, clássicos, populares, e alguns tão novos que ainda aguardam publicação. E para ninguém ficar com água na boca, escolhemos três poemas da Rita para compartilhar. Eles podem ser encontrados no livro PORTAPALAVRAS, de Rita Melém, editora Cromos.

Joana Martins

Conto de Fada moderno

Me deixa mal
o tal de lobo mau
que me seduziu
e depois sumiu...













Transitório

Transito por todos os lugares
renovo meus ares
metamorfeio
me recoloco
invoco
revelo anseios
me mostro
me enrosco
nos teus meios...


Nostalgia

No jardim de inverno de mim
sentimentos e palavras fecundam
meu ser neblinado que
amanheceu triste...

p.s: E para completar esse maravilhoso dia cheio de sentimentos e poesia, tivemos a alegria de encontrarmos com a menina bonita do laço de fita passeando pela bosque, exibindo a sua beleza!





Roda de histórias na escola Ida de Oliveira

Mas um recorte de aventuras que não podemos deixar em nós, grupo. E que como numa revoada toma formas diversificadas, horas em quantidade grande, horas pequena, horas lideradas por um, horas por outro e assim vão enfrentando as dificuldades que lhes reserva a natureza. Assim somos também, guiados pelas asas de nossa imaginação seguindo o curso natural do existir onde também passamos por algumas dificuldades, mas não medimos esforços para continuar entremeando fio a fio à condução de nossa história que agora em duplas eu (Gilberto) e Sônia teceremos.
E foi num pouso na escola Ida Oliveira no dia 30 de setembro que enchendo seus corredores de alegria e sonoridade cantamos e encantamos com uma releitura da música :
“hoje tem espetáculo”
Oh raia o sol
Se esconde a lua
Tem contadores no meio da rua (bis)
Mamãe, Papai venha vê titia.
Contando histórias para vizinha.


Pousamos na escola que já contava sobre seus quarenta e cinco anos de história num alimentar de muitas outras histórias de pessoas que por ela passaram e hoje voam em outros grupos ou solitárias.
Foi uma tarde de encantamento, diante de uma colcha de retalhos que nutriu nossa imaginação, fomos costurando e apresentarmos ao deleite das crianças que estavam num numero estimado de 200, um repertório que passeou entre “A menina bonita do laço de fita” e “A cor é o que menos importa”.
E nesse universo fascinante de possibilidades que permiti da forma a nossa imaginação. Fomos transformando o ambiente, que foi tomando outro aspecto, ficando com ar mais noturno e sombrio, surge uma procissão que abriu espaço para as lendas e contos de assombração que deixam os olhos mais vidrados e arregalados de entusiasmo e curiosidade, num misto de medo e prazer percebido na aproximação das crianças para o local onde contávamos. Em tom de cumplicidade abrimos as asas da platéia, agora era chegado o momento de cada um contribuir com suas vivências, e a cada nova participação presenteava se a criança com poemas no coração. Virou festa e então cantando a mesma música do inicio fomos começando a desfazer o ambiente era chegada hora de nos “guardar” nos retalhos que montam a memória afetiva de cada um que encanta-se com a simplicidade das narrativas populares por nós aqui revistadas. Mas esse tecer aqui não se encerra deixamos no final do ponto, uma agulha no fio a espera das mãos que conduzirão o iniciar da costura dos próximos recortes que iram compor a continuidade dessa grande colcha onde habita nossa palavra.

Gilberto Silva

domingo, 12 de outubro de 2008

Círios

Meu filho, vês aquela claridade?
É a cidade na escuridão...
O barco singra as águas
e pulsa feito um coração
cheio de alegria,bálsamo,benção.

O Círio de Nazaré,tu verás, será, menino,
algo pra não se esquecer,
pra colar no teu caminho
feito o som de uma viola
que te fez chorar baixinho...
quando vires a Senhora
ficarás pequenininho.

Diante do mistério que há
nessa nossa vida humana,
vais crescer mais que o luar,
vais voar mais que as semanas,
vais sorrir pro revelado,
fruto da emoção na boca
de que tudo é amarrado
e o mundo é um, é oca.

Menino acorda e vem olhar
o sol não tarda em levantar
vem ver Belém
que começa a despertar.

Outros outubros tu verás
(e outubros guardam histórias),
ver o peso
quando for a hora.

Vital Lima

Acróstico

Em Belém,
Na
Santa
Aldeia Cabana,
Imita-se
Orgulhosamente o
Santo

Domingo de
Outubro

Amor e Arte
Unem à
Todos.
Oração de Miguel:

Deixem Nossa Senhora
Orientar vossos corações de modo fiel.

Círio, Auto do Círio:
Imitante homenagem daqueles que imitam a Vida,
Real homenagem dos que vivem a Arte.
Inigualável Senhora de Nazaré:
Olhai por nós na Arte e na Fé!!

Ana Selma Cunha (texto surgido da emoção que senti ao participar
do elenco do Auto do Círio 2005)

Feliz Círio!!!!!!!!

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Clarissa Pinkola Estés

As histórias como bálsamos medicinais[1]


Aqui vou esboçar para vocês parte da tradição de contar histórias onde estão minhas origens...Sempre que se conta um conto de fadas, a noite vem. Não importa o lugar, não importa a hora, não importa a estação do ano, o fato de uma história estar sendo contada faz com que um céu estrelado e uma lua branca entrem sorrateiros pelo beiral e fiquem pairando acima da cabeça dos ouvintes. Às vezes, ao final de um conto, o aposento enche-se de amanhecer; outras vezes um fragmento de estrela fica para trás, ou ainda uma faixa de luz rasga o céu tempestuoso. E não importa o que tenha ficado para trás, é com essa dádiva que devemos trabalhar: é ela que devemos usar para criar alma.
Na maior parte das vezes, a hora de contar histórias é determinada pelas sensibilidades internas e pela necessidade externa. Algumas tradições designam épocas específicas para contar histórias. Entre as tribos dos pueblos, as histórias do coiote eram reservadas para serem contadas no inverno. Certas histórias da Europa Oriental somente são contadas no outono, depois da colheita. No trabalho com arquétipos e com a cura, avaliamos bem a hora de contar histórias. Examinamos cuidadosamente a hora, o lugar, a pessoa, a medicação necessária. No entanto, com grande freqüência, mesmo essas medições são frágeis. Na maioria das vezes, contamos histórias quando somos convocados por elas, não ao contrário.
Nas minhas tradições, existe um legado entre os contadores, através do qual um contador transmite suas histórias a um grupo de “sementes”. As sementes são contadores que, segundo o que o mestre espera, irão preservar a tradição como a aprenderam. Como as “sementes” são escolhidas é um processo misterioso que oferece um desafio a uma definição exata, pois ele não se baseia num conjunto de normas, mas, sim, num relacionamento. As pessoas escolhem-se mutuamente; às vezes elas vêm ao nosso encontro, mas com maior freqüência tropeçamos umas nas outras e nos reconhecemos como se nos conhecêssemos há séculos.
Nessa tradição, considera-se que as histórias são escritas como uma leve tatuagem na pele de quem as viveu. A formação de curanderas, cantadoras y cuentistas é muito semelhante. Ela deriva da leitura dessa escrita levíssima, do desenvolvimento do que se encontra nela.Da mesma forma, na tradição de cantadora/cuentista, as histórias possuem pais, avós e às vezes padrinhos, que seriam a pessoa que lhe ensinou a história ou que a deu de presente para você (a mãe ou o pai da história), e a pessoa que ensinou a história a essa pessoa que a passou para você (o avô da história).
Na minha opinião é assim que deveria ser. Fornecer os créditos da história é muito importante, pois mantém o vínculo genealógico: nós estamos numa extremidade; a placenta, na outra. Os padrinhos da história são geralmente aqueles que acompanharam a história de uma benção. Às vezes é muito demorado o relato dos antecedentes da história, antes que cheguemos à história em si. Essa listagem de mãe e da avó da história, não é um preâmbulo longo e enfadonho, mas é, sim, temperada de pequenas anedotas. A história mais longa que se segue fica sendo, então, como um segundo prato.
Contar histórias é trazer à baila, trazer à tona. Não é uma atividade inútil. Embora haja o intercâmbio de histórias, quando duas pessoas trocam histórias como presentes mútuos, na maior parte dos casos elas chegaram a se conhecer bem. Desenvolveram um relacionamento de parentesco se ele já não existia. E é assim mesmo que deve ser.
Apesar de algumas pessoas usarem as histórias apenas para diversão, no seu sentido mais antigo as histórias são uma arte medicinal. Existem os que foram convocados por essa arte medicinal; e os melhores, na minha opinião, são os que se deitaram com a história e descobriram dentro de si mesmos e em profundidade todas as partes que se harmonizavam.
Ao lidarmos com as histórias, estamos trabalhando com a energia arquetípica, que é muito parecida com a eletricidade. Ela pode animar e iluminar, mas no local errado na hora errada e na quantidade errada, como qualquer medicamento pode produzir efeitos nem um pouco desejados. Às vezes, pessoas que coletam histórias não percebem o que estão pedindo quando querem saber uma história dessa dimensão. Os arquétipos nos modificam. Se não houver modificação, então não houve nenhum contato real com o arquétipo. Transmitir uma história é uma responsabilidade muito grande. Temos de nos certificar de que as pessoas estejam preparadas para as histórias que contam.
No caso dos melhores contadores que conheço, as histórias crescem das suas vidas como as raízes fazem crescer a árvore. É que as histórias os criaram, transformando-os no que eles são. É fácil notar a diferença. Sabemos logo quando alguém criou uma história e quando a história criou alguém. É deste último caso que trata a minha tradição.Pode acontecer de um desconhecido me pedir uma das histórias que estive escavado e modelando durante anos. O relacionamento é tudo. Como guardiã dessas histórias, posso dá-las ou não. Isso não depende de nenhuma lista de pré-requisitos específicos, mas de uma ciência da alma, de acordo com o dia e com o relacionamento.
O modelo de mestre-aprendiz fornece o tipo de atmosfera conscienciosa na qual pude ajudar meus aprendizes a procurar e a desenvolver as histórias que irão aceitá-las , que irão brilhar através delas, não ficar simplesmente na superfície do seu ser como bijuteria barata. Há muitos tipos de possibilidade. Poucos são fáceis; os mais difíceis são muito mais numerosos. Positivamente, na história, ou no bálsamo medicinal, somos capacitadas pelo volume de self que estamos dispostas a sacrificar para investir nela.
Na tradição da cantadora, como na tradição da mesemondók, existe o que se chama de La Invitada, “a convidada” ou a cadeira vazia a cada vez que a história é contada. Às vezes, durante o relato de uma história, a alma de uma das ouvintes, ou de mais de uma, vem sentar-se ali por ser essa a sua necessidade. Embora eu possa ter material para toda uma noite, muitas vezes altero esse material para ajudar o espírito que veio para a cadeira vazia, ou para brincar com ele, “A convidada” sempre exprime as necessidades de todas.
Costumo estimular as pessoas a fazer sua própria escavação da história, pois as juntas arranhadas, o fato de dormir na terra fria, a procura na escuridão e as aventuras pelo caminho valem tudo. É preciso que haja um pouco de sangue derramado em cada história, se quisermos que ela tenha função balsâmica.
Espero que vocês saiam e deixem que as histórias lhes aconteçam, que vocês as elaborem, que as reguem com seu sangue, suas lágrimas e seu riso até que elas floresçam, até que você mesma esteja em flor. Então, você será capaz de ver os bálsamos que elas criam, bem como onde e quando aplicá-los. É essa a missão. A única missão.

[1] Posfácio do livro: “Mulheres que correm com os lobos – Mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem”. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. Coleção Arcos do Tempo, 5ª edição.

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Chapéu de cuia

Pergunto-me, por que já sendo careca, pretendo colocar uma cuia na cabeça? È como a história que ouvi de um amigo, que contou um trecho do filme “Mulheres à beira de um ataque de nervos” de Pedro Almodóvar, onde uma mulher, em frente ao espelho, coloca uma peruca igual ao seu cabelo. Em resumo: o surreal nos acompanha.
Fiz o primeiro chapéu com cuia, exercendo o amor e o acaso, por exemplo. Fiz a costura da malha preta com linha amarela, pois a vontade bateu à noite (sendo necessário contraste) e por não encontrar a linha preta, comprometendo o acabamento.
Mudando de pau para cacete, sinto saudade de meu avô, que me ensinou a nadar e entre tantas outras vivências. Ele me contou que na mata, quando vamos caçar, precisamos colocar uma cuia em nossa cabeça, pois se o gavião nos atacar ele captura a cuia e não nos leva. De que gaviões eu quero me proteger quando coloco a cuia em minha cabeça?
Vejo uma indumentária da humanidade que algo na cabeça pode conferir proteção, ocultamento e distinção, não necessariamente nesta ordem.
Bem, quando não se tem a moldura dos cabelos, procura-se “sanar”, com algo, por que não, com a cuia?
Uma cuia que cuida de mim, que me dá mingau e que me banha. Feita da cuieira que é nossa árvore de natal, árvore companheira dos pajés.

Pari deitado e feliz,
Marçal
Belém, 22 de setembro de 2008.

domingo, 28 de setembro de 2008

Procura-se histórias

Este foi o título de um e-mail, dentre tantos que recebi de Delani Alves. Em 2001 conheci num site de literatura infanto-juvenil a Lani, uma contadora de histórias de Curitiba. Seu grupo é coordenado pela prof.ª Marta Morais. Um grupo experiente, que muito ajudou o Tuerarup na escolha de repertorio, performance, etc.
Lani e nós passamos a viver uma linda história virtual de amor e amizade, trocavamos mensagens todos os domingos, daí sentimos a necessidade de cartas e telefonemas, as cartas se estenderam aos meninos e meninas do grupo, imagine a alegria da molecada, ao receber das mãos do carteiro as cartas da Iara-lani (assim a chamavamos), e eles respondiam a altura.
Nossa Iara-lani se tornou mais um membro do tuerarup, ganhou das crianças até um orokó (um tipo de cocar que usamos no momento da contação), para mim em especial ela era mais presente que pessoas com as quais convivia diariamente, apesar de nunca termos nos visto pessoalmente, esteve presente em muitos momentos felizes e tristes de minha vida, o nascimento de minha bonequinha, o inicio e o fim do Tuerarup, e agora no retorno do grupo de contadores, só que com adultos, professores da semec, um desafio que abracei com o mesmo desginio ancestral que tinha com o tuerarup. Lani viria para o I encontro de contadores de historias que estamos idealizando em Belém. Finalmente depois de 07 anos iriamos nos encontrar, quando recebi a mensagem da professora Marta Morais que minha querida amiga havia falecido aos 41 anos, repentinamente de infecção genaralizada, na mensagem a prof.ª Marta diz que ela se foi no momento mais feliz de sua vida pessoal e profissional, seu primeiro netinho havia nascido, e o grupo de contadores estava a todo vapor. A sensação que fica é a de tristeza e frustração, por tão pouco não pude abraçar minha amiga, ela sempre expressava o desejo de banhar-se num igarapé amazonico, o desejo era legitimo já que era uma Iara. Agora ela esta livre para banhar-se nestas águas. Serão dificieis os domingos sem sua presença, a dor é grande... Poucos conseguiram compreender nossa ligação tão intensa alinhavada pelas linhas da internet, lembro de uma frase de Picasso "Será possível expilcar o canto de um passarinho para alguém?"Amanhã Minha amada amiga faria aniversário, costumava enviar para Curitiba uma caixinha de presentes com mimos do Pará, ela adorava esta terra e o calor afetuoso das pessoas, fizemos muitos planos: tomar tacacá, ir ao Ver-o-peso, contarmos histórias juntas... Como ela mesma disse a mim uma vez "a trama que tece o tempo que nos cabe aqui na terra é de outra natureza. Compete a cada um de nós tornar significativo cada momento com sua carga de mistério, encanto, dor e alegria." Vivo a revisitar esta frase como a uma oração. Nesta noite, como vocês irão ler abaixo na mensagem enviada por Lani que compartilho com todos como um presente precioso, "não consigo dormir, tenho uma história atravessada entre minhas pálpebras", também precisava aquietar meu ser e aliviar a saudade contando esta história. As palavras que seguem são apenas parte de um acervo de mensagens dela que guardo para alimentar minha alma nesta jornada.
Andréa Cozzi.


Procura-se histórias

Extraordinariamente a casa está quieta e vazia. Preciso de uma porção diária de silêncio e solidão. Os últimos dias foram intensos como havia anunciado, Gregório, meu mestre, estava por aqui, sonhei tanto esta vinda, briguei, esperneei, discuti até o convencimento dos que pagam a conta. Fiz a mesa na conferência dele, grande parte do tempo, me desfazendo em lágrimas, trezentos pares de olhos a minha frente e eu chorando, sorte minha acreditar que posso, não desci aos infernos à toa, ganhei privilégios, a certa altura contemplei a platéia, muitos choravam comigo.
Gregório está velhinho e conta da sua avó índia caxinauá casada com descendente de holandeses, protestante, a avó quando grávida molhava a barriga com a água de uma bacia,quando o marido perguntou por que,ela lhe disse: "para que a criança nasça molhadinha, aberta para o outro, para o afeto, para o mundo. O nome já estava escolhido, Francisco, em homenagem ao de Assis, sobrenome Gregório, que agrega. Reparando nas casas comerciais do acre, ela percebeu que levavam o nome dos proprietários: armazém de José da silva; casa de carnes de Josué da silva; escritório de advocacia de Eduardo da silva, decidiu, o filho também seria da Silva, inaugurando um nome comunitário. Este Francisco casou com uma descendente de escravos, ligada ao candomblé, que quando engravidou tinha a certeza, fosse menino seria Francisco, ei-lo:Francisco Gregório da silva filho. A avó contava histórias aos netos e os ensinava, meninos e meninas a bordar, costurar, cantar, cozinhar. Bordavam toalhinhas coloridas, com as fases da lua.
No aniversário de 11 anos de uma das netas, convocou todos eles para que entregassem caixas com as toalhinhas para a menina, passado um tempo elas os chamou até a beira do rio, lá ela pediu a menina que jogasse no rio sua primeira toalhinha borrada e explicou:"as mulheres são mensalistas, limpam seu sangue todo mês, os homens não, estes têm que ser companheiros amorosos das mulheres, que são valentes, solidárias, fraternas, corajosas, ousadas, diabólicas e no auge da graça, despudoradas."
Certa vez, Eduardo Galeano pediu ao Gregório que o levasse ao Acre, anônimo ele recolhia histórias de mulheres, ouviu da avó um antigo mito caxinauá e inspirado nele escreveu a primeira história do livro “mulheres”, intitulada "o amor". A avó morreu aos 96 anos e deixou de herança ao Gregório uma trouxa, com muitos retalhos e sua caixinha de costura, ele desejava guardar isto, mas não escondido, começou a fazer pipas com os tecidos. Um dia alguém perguntou se ele não poderia expô-las em uma biblioteca, Gregório aceitou. Na exposição alguém o convidou para expor em um centro cultural, lá uns espanhóis o convidaram para levar as pipas para Barcelona, de lá para a Alemanha e depois para a França, uns italianos vendo as pipas disseram que aqueles padrões ficariam lindos em roupas, fizeram três coleções. Hoje 120 pipas percorrem a Europa, um outro tanto o Rio Grande do Sul. Gregório diz:"com uma trouxa, conheci o mundo. "No dia seguinte andávamos pelo bosque do papa com o Carlos Daitshman, estávamos de saída, quando encontramos o portão trancado, um ciclista passou e nos disse:"mais adiante tem uma passagem secreta". Rimos muito, a tal passagem era uma grade entortada, e aquele velhinho alto, atravessou a grade e cortamos caminho até o sorella, quando paramos de rir ele disse:"tem que deixar brecha para a possibilidade."
Há anos atrás reencontrei o Gregório no Rio, no paço imperial, onde trabalha, ele me contava de iniciativas maravilhosas para garantir o acesso a leitura, pessoas simples que abriram suas garagens e casas e as transformavam em bibliotecas para a sua comunidade, fiquei encantada e disse que por aqui não havia nada disto,sabia apenas da Elísia,que no alto boqueirão levava cestas de livros para a praça aos domingos,ele me garantiu que não,deveria haver, nós é que não sabíamos.Desde então tenho ficado de ouvidos e olhos abertos,buscando conhecer algo assim,nada.Voltamos a falar sobre isto agora,há muitas casa assim no Rio,cada vez mais,estão sendo chamadas de "casas do sossego", nomeadas por uma senhora que ele conheceu ao visitar Jacarepaguá, a dona havia recebido uma casinha de herança,como era sozinha, achou que não precisava de tanto,construiu duas peças nos fundos para viver e abriu a casa para os vizinhos,apenas livros e revistas em cestos,redes,tamboretes e um filtro com água. Gregório perguntou a uma senhora porquê estava ali,ela disse:"venho aqui pra ter sossego. "contei a ele da minha tristeza por viver na impermeável Curitiba "a única droga que vou admitir na minha vida", e ele me desafiou a descobrir lugares assim. Conto com vocês, por favor, perguntem aos amigos, aos inimigos, alguém há de conhecer um lugar como este. Aguardo, desculpem o tamanho do texto, precisava contar um pouco, parodiando Galeano:"não consigo dormir, tenho uma história atravessada entre minhas pálpebras. "verdade, fui levemente atropelada duas vezes entre ontem e hoje, dois estacionamentos diferentes, um mais patético que o outro. Ao se despedir, no aeroporto, ele me disse: "serenidade.” Anos atrás havia me dito: "firmeza.” Precisava compartilhar para voltar a dormir. Vou sonhar serenidade. bjos e ótima semana.

Delani Alves
31 de Julho de 2006

PS: Descobri esta semana que foi inaugurada em Araucária-PR, cidade em que Iara-lani trabalhou, a Escola Municipal Delani Aparecida Alves, uma das mais modernas instituições de ensino do Estado.Na homenagem dizia: "Delani Aparecida Alves foi homenageada pela Prefeitura de Araucária por toda a dedicação que teve com a educação dos alunos araucarienses. Ela nasceu em 29 de setembro de 1965 e faleceu em 17 de dezembro de 2007. Trabalhou na rede de educação do município desde 1992, como professora de Língua Inglesa. Delani amava os livros e acreditava na força de transformação que a arte literária poderia levar às pessoas, além disso, vivia intensamente cada história que contava."

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Ayvu Rapyta na Feira do Livro

Essa história de contador é mesmo contagiante. Primeiro dá um friozinho na barriga, a mão fica gelada e a cabeça parece flutuar, mas tem que ficar esperto, tem muita gente olhando e não pode ter vexame. É mais uma apresentação do grupo Ayvu Rapyta, são contadores levando muito mais que histórias. Levam alegria e encantamento onde quer estejam. Vocês já repararam como eles gostam de brincar, de rir?, e riem por qualquer coisa, é só festa quando estão por perto, mas conseguem ficar sérios e contar histórias com tudo o que elas têm direito: suspense, mistério, humor, tristeza, alegria... Estou gostando cada vez mais de fazer parte desse grupo. Posso dizer com tranqüilidade que o Ayvu Rapyta arrasou na XII Feira Pan-amazônica do Livro e quero dar parabéns a todos, pois sei o quanto cada um se dedicou para que o resultado fosse o melhor possível. Tenho certeza que conseguimos plantar uma semente de contador em vários dos nossos ouvintes, pude perceber nos olhinhos atentos e semblante feliz. Beijos!

Joana Martins

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Cenas e olhares da XII Feira Panamazônica do livro

A Feira Panamazônica chega a sua XII edição, este ano homenageando os 100 anos da imigração japonesa no Brasil, é só entrar na feira e perceber o olhar do oriente nos tisurus gigantes pousados nos móbiles, apenas para citar um, a arte de dobrar papeis, encantamento puro trazido com a cultura e a arte de um povo que aqui chegou para compor o mosaico cultural brasileiro.
Antônio Tavernard,o escritor homenageado foi poeta, contista, cronista e romancista,que faleceu muito jovem mas deixou a beleza da sua obra para ser contado e cantada.
Para nós do grupo Ayvu Rapyta, esta feira será memorável como o nosso batismo enquanto grupo, com direito a nome, figurino, repertório e ousadia.Foram dias de preparação, tínhamos que dividir o tempo das histórias entre uma aula e outra, quem é professor sabe do cotidiano referido!Portanto, temos um contentamento em dividir com vocês algumas cenas do cotidiano do grupo na Panamazônica, desejando que seja apenas a primeira de muitas do Ayvu rapyta.
"Pois esta é apenas uma das histórias que sabemos contar, e como sabemos."

Internet: uma via de mão-dupla

A internet é o instrumento de comunicação mais utilizado nos dias de hoje, onde o fluxo de informações, novidades e entretenimento estão ao nosso alcance com muita facilidade, pois com um simples “click” estamos conectados ao mundo.
É difícil enumerar quantos benefícios à internet nos trouxe. Foi um grande avanço para as telecomunicações, uma grande ferramenta para pesquisas, estudos científicos, organizacional (em vários aspectos) e até sentimental, diminuindo tempo e espaço. Com ela, tudo ficou muito mais rápido e prático e fez com que esse mundo dominado por técnicas, agilidade e competições se tornasse muito mais ativista e produtivo.
Porém, o uso sem maturidade e responsabilidade desse instrumento, fez com que ele se transformasse em uma via de mão-dupla; pois há um abuso da imagem, de informações sem bases sólidas e pessoas ocultas por vidas pseudo-verdadeiras, causando assim uma desordem social e comportamental.
Infelizmente, o ativismo de nossa sociedade tole coisas imprescindíveis para a vida humana, como o diálogo, a compreensão, amor, respeito, dignidade e honestidade, fazendo com que “esta terra sem lei”, a internet, tome proporções enormes que contribuem para a disseminação do mal e abre as portas da miséria humana e de todas suas carências sentimentais e psicológicas.
As maiorias das pessoas que a utilizam, sem maturidade, escondem suas verdadeiras personalidades e potencialidades negativas ou positivas. Na internet, as pessoas se mostram sem se mostrar, ocultam seus erros e limitações, desilusões e sentimentos ruins, para procurarem serem vistas e amadas por todos no mundo virtual, mesmo sendo um amor que apenas preenche o ego momentaneamente.
A internet é uma ferramenta única e a solução para vários problemas, entretanto, devemos lembrar que é uma liberdade que necessita de responsabilidade para o seu uso, pois a pessoa imatura utiliza mal essa liberdade, o que pode ocasionar sérias conseqüências. A maldade não está na internet, mas sim na cabeça dos homens.


Rodrigo Grilo

Tu e eu - Luis Fernando Veríssimo

Tu e eu
Somos diferentes, tu e eu.
Tens forma e graça
e a sabedoria de só saber crescer
até dar pé.
Eu não sei onde quero chegar
e só sirvo para uma coisa
- que não sei qual é!
És de outra pipa
e eu de um cripto.
Tu, lipa
Eu, calipto.
Gostas de um som tempestade
roque lenha
muito heavy
Prefiro o barroco italiano
e dos alemães
o mais leve.
És vidrada no Lobo
eu sou mais albônico.
Tu, fão.
Eu, fônico.
És suculenta
e selvagem
como uma fruta do trópico
Eu já sequei
e me resignei
como um socialista utópico.
Tu não tens nada de mim
eu não tenho nada teu.
Tu, piniquim.
Eu, ropeu.
Gostas daquelas festas
que começam mal e terminam pior.
Gosto de graves rituais
em que sou pertinente
e, ao mesmo tempo, o prior.
Tu és um corpo e eu um vulto,
és uma miss, eu um místico.
Tu, multo.
Eu, carístico.
És colorida,
um pouco aérea,
e só pensas em ti.
Sou meio cinzento,
algo rasteiro,
e só penso em Pi.
Somos cada um de um pano
uma sã e o outro insano.
Tu, cano.
Eu, clidiano.
Dizes na cara
o que te vem a cabeça
com coragem e ânimo.
Hesito entre duas palavras,
escolho uma terceira
e no fim digo o sinônimo.
Tu não temes o engano
enquanto eu cismo.
Tu, tano.
Eu, femismo.

(Texto enviado por Rodrigo Grilo)

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Cordel de memórias - parte II

Ei, você, preste muita atenção:
Pois agora vou lhe dizer
Como em minha vida
Entrou das histórias a contação
O ato ancestral e mágico
Que encanta o coração

Meu pai, nordestino de nascimento,
Homem de poucas letras
Mas de muito conhecimento
Muitas e muitas noites
Com versos de cordel
Fazia meu divertimento

Eram histórias fascinantes
De trancoso dizia ele,
De mulheres tão arretadas
Que no diabo davam até nó
De homens tão espertos que aos
Enganavam só restava a dó

E as histórias ficaram
Durante algum tempo
Em mim caladas
Até que alguém me disse:
Ei acorda, história é pra ser contada!
Vem aprender com uma certa garotada....

A garotada em questão
Era de fato uma mágica trupe
Crianças contadoras de histórias
Encantadores da palavra
Comandados por duas fadas
Eram os meninos do Tuerarup

E descobri em mim então
Um bicho que não se cala
Que transborda e se espalha
Que entra por uma porta
E sai por outra
E se mostra pela fala.

E agora de conto em conto
Vivo aumentando um ponto
Pontos na teia do texto
Pontos na teia da vida
E se mais você quiser saber?
Deixa que depois eu te conto...

Ana Cunha

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Marajó

Embalados pela baía morada de Igara, senhora das águas, que nos convidou a mergulhar nas águas do rio-mar e voltarmos grávidos de histórias...

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

PRÊMIO DARDOS

Como somos contadores de histórias recebemos com encantamento a indicação ao Prêmio Dardos pelo amigo Franz do blog www.esteblogminharua.blogspot.com, lembrando que a ele cabe grande parte do crescimento deste blog, pacientemente ajudou-nos a desvendar o ciberespaço, local de morada também das histórias e poesias.Se fossemos comparar nosso estágio de desenvolvimento enquanto blogueiros com situações reais, poderíamos dizer que alfabeticamente falando estamos no pré-silábico, ou ainda no desenvolvimento de um ser humano nos encontramos recebendo o leite materno.As comparações ilustram que o universo digital muitas vezes parece distante dos que não estão lotados no laboratório de informática, pensamento enganoso,pois cá estamos nós, entre a roda de histórias ao redor da fogueira, e a ciranda dos bytes também a narrar.E como quem conta um conto aumenta um ponto, estamos puxando mais quinze fios para tecer esta rede de vida!Segue os quinze blogs indicados pelo Grupo de contadores de histórias.

domingo, 14 de setembro de 2008

Vovozinha já velhinha, cinturinha de retrós, dá uma volta na cozinha e traz um café pra nós - Memória de Joana


O meu primeiro contato com a magia das palavras foi através de meu pai, o senhor Ananizio, exímio contador de histórias e um talento incomum para brincar com as palavras. Parlendas, adivinhações, piadas e trava-línguas sempre fizeram parte de minha vida devido ao seu empenho, pois estava disponível a qualquer momento para uma brincadeira. Se queria café, pedia: - Vovozinha já velhinha, cinturinha de retrós, dá uma volta na cozinha e traz um café pra nós.
Lembro que ele me desafiava com trava-línguas complicados... me contava histórias à noite, quando deitávamos na rede para dormir e a escuridão só não era total por causa da luz de uma pequena lamparina. Eu era, e ainda sou, muito medrosa e não deixava meu pai dormir antes de mim. Se ele fechasse os olhos eu logo perguntava se ele estava dormindo, como a resposta era negativa eu completava, então abra os seus olhos. E seguíamos assim até eu pegar no sono.
Papai contava histórias belíssimas, com príncipes e princesas, algumas pavorosas como a de João e Maria e seus cachorros Rompe-mato, Quebra-ferro e Ouve-longe. Eu prestava muita atenção e me deliciava com suas narrativas. Tinha ainda as histórias das visagens que a minha mãe "via", papai não acreditava em visagens e desafiava-as a aparecerem para ele. Perdi a conta de quantas vezes ele levantava, lanterna em punho (ele sempre dormia com uma enorme lanterna debaixo da rede), e chamava as visagens, nunca nenhuma apareceu. E olhem que lá em casa tinha um cômodo conhecido como o quartinho da visagem. Ninguém entrava sozinho naquele quarto, exceto meu pai.
Depois que aprendi a ler comecei a buscar nos livros as histórias de princesas, conheci os contos de fadas e me apaixonei. Também gosto muito de histórias de assombração. Quando elas terminam, costumo ficar com medo por mais uns três ou quatro dias. Ele aumenta quando a noite chega ou fico sozinha, é um medo gostoso, se é que o medo pode ser gostoso.
No início de minha adolescência eu fui leitora assídua da Bíblia, lia todos os dias alguns capítulos. Nessa época eu queria estar na rua brincando, mas meu pai, sempre meu pai, me obrigava a ficar velando a sua sesta (éramos oito irmãos, mas ele chamava eu). Depois do almoço ele deitava numa rede e eu tinha que ficar embalando e lendo a Bíblia até ele dormir. Puxa, como ele demorava para dormir. Eu começava a ler baixinho e parava, pensando que ele já estava dormindo. Que nada! Ele fazia "hum!" bem alto e eu já sabia que era para continuar lendo que ele ainda estava acordado. Acabei conhecendo em detalhes esse livro maravilhoso.
Hoje meu pai já está velho e doente, mas não descuida do meu "aprendizado". Sempre que vou visitá-lo ele pede que eu leia as bulas de seus remédios, e a leitura tem que ser feita em voz alta e do texto completo com todos aqueles nomes complicados que eu nunca sei o significado. Depois da leitura eu peço que me conte alguma história, ele ri e diz que já não consegue. Eu insisto e ele acaba contando, às vezes ele se perde e minha mãe ajuda-o. A doença tentou, mas não conseguiu calar por completo a voz da pessoa que me introduziu no rol dos amantes da leitura e, com o seu jeito engraçado de narrar, papai me encanta até hoje.
E como filha de peixe, peixinho é, eu não resisti e aceitei com muito agrado o convite para fazer parte de uma turma especial, formada por pessoas maravilhosas, seres encantados, que habitam nas vozes que se propagam pelo vento levando aventuras e desventuras ao bel-prazer. Estou falando do grupo Ayvu Rapyta de contadores de histórias e espero proporcionar emoção e divertimento aos ouvintes que encontrar pela frente.

Joana Martins

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Memórias do Marajó

As férias de julho da minha infância possuíam destino certo, a Ilha do Marajó, em Soure. Eram dias vividos de forma intensa e cheios de alegria, por uma criança serelepe que se reencontrava com a primada toda. Lembro-me que viajávamos todos juntos no dia 30 de junho, claro, para aproveitar o mês todinho sem perder um dia. Nossos avôs nos esperavam todo ano, ansiosos como nós. Minha avó uma autêntica marajoara tinha as lendas e causos daquela terrinha na ponta da língua, já o vovô aposentado da marinha, divagava na mesa sobre sua vida militar e falava de figuras hilárias que nunca conhecemos, nos divertíamos a beça.
Depois do jantar as seis da tarde, pontualidade exigida pelo meu avô, nos púnhamos a ouvir histórias da vovó na calçada. E então ela começava, falava da mulher cheirosa que aparecia na praia do mata-fome; da cobra grande do rio Paracauari e seus três fios de cabelo; do danado do saci, curupira, o toco da morte, ah, esse eu me lembro bem, quando ela contava essa história me arrepiava todo. Sentados na calçada víamos ao fundo da 5º rua do bairro de São José o rio, sabíamos muito bem quando a maré estava enchendo ou secando. Minha avó falava desse toco demonstrando também um certo medo, dizia que quando a maré estava enchendo ou secando ele passava contra a maré e bem no meio do rio, isso queria dizer que neste dia alguém iria morrer naquelas águas. Nós, moleques danados loucos por banho de rio ficávamos morrendo de medo. E pra dar mais medo, a vovó ainda dizia: “Um dia desses foi o neto da D. Joana lá do bairro novo”. Eita que nós ficávamos pálidos com os olhos esbugalhados. Será que um dia vou ver o “toco da morte”? Ser ver prometo não entrar na água, valei-me Nazica! Ao mesmo tempo em que temia, tinha curiosidade, às vezes cansado de tomar banho, me sentava na beira do rio e ficava olhando bem para o meio esperando ver o toco passar. Causos da infância que aguçaram e muito a minha imaginação.
Fazia sempre questão de ouvir as histórias de minha avó, esperava ansioso. Com o passar dos tempos meus primos foram deixando de lado, mas eu estava ali, sempre à espera. Quando ela ia lavar louça ficava lá sentado, pronto para ouvir novamente as lendas do Marajó, e das Mangueiras, onde minha eles viveram antes, onde meu pai viveu sua infância. E aí lá vinham novas histórias, “o rabudo” das matas das Mangueiras que assustava a todos, inclusive ao meu pai que me confessou esse medo de criança.
Foi então me remetendo à infância e as minhas vivências no Marajó, ao quintal com patos, galinhas, jabutis e porcos da casa dos meus avôs; abrindo o baú das minhas memórias, que vi então na Dona Luiza, minha avó, a primeira contadora de história da minha vida, é ela a responsável por aquecer, desde a minha meninice a paixão pelas histórias.
Hoje os tempos são outros, não posso mais viver da mesma forma as maravilhosas férias no Marajó, as visitas a casa dos meus amados avôs ficaram mais distantes. Mas as histórias, ah! esses causos que se misturam entre o mundo real e imaginário da minha infância, fazem com que a chama nunca se apague. Recordar esses causos é reviver a doce fase da vida.
Ei!Continuo acreditando piamente nas histórias da vovó. Por falar nisso, alguém aí tem notícias dos fios de cabelo da cobra grande?

Rodrigo Antônio.

MEMÓRIAS QUE O TEMPO NÃO APAGOU

Minha formação como leitor se deu em primeiro, com a leitura das paisagens que guardo das aventuras na pequenice de minha infância.Que giram como roda e cata-vento e me levam voando no tempo, a pousar bem no campo de futebol em terra batida, cercado por duas mangueiras e uma jaqueira, que frondosas nos agraciavam com suas sombras e um vento que nos lambia o rosto.Era o lugar onde a professora Sônia nos levava em algumas manhãs.Manhãs essas que eu aguardava com ansiedade, pois não havia dia certo, podia ser qualquer dia, o que me fazia ficar mais ansioso.
Talvez ela, a professora, não se desse conta que me proporcionava uma leitura singular dos galhos das árvores embalando seus frutos como mãe que embala os filhos e que nos faziam arregalar os olhos e encher de água a boca no desejo de deliciá-los.Da sensação de liberdade que a extensão do campo me dava, diferente da sala apertada que me fazia sentir como um passarinho, não os que eu via no campo livre, mas os engaiolados.Engraçado é que até mesmo o olhar da professora mudava era como se uma mágica acontecesse é tudo mudava nesse dia.
Deve parecer estranho, mas tenho falado de leitura sem se quer ter citado os livros é como a maioria dos Brasileiros eles me foram negado durante muito tempo, logo tive pouco contato com os livros, é devo isso à falta de maior incentivo dos meus professores, pois quase todos falavam da importância da leitura, no entanto dificilmente os viam com livros na mão, exceto os didáticos.
Já no ensino médio a conheci, era a professora Graça essa sim era um espelho que eu adorava admirar e tomar como exemplo.Vivia a volta com os livros, trazia sempre novidades pra turma, falava da leitura com encantamento e brilho nos olhos, nunca visto por mim em outros professores.E o momento de leitura que nunca esqueço foi quando ela nos apresentou “O bicho”, de Manuel Bandeira, começava ai a efervesce a criticidade dentro de mim.

O Bicho
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
Manuel Bandeira

E depois outras maravilhas foram atravessando meu caminho e me alimentando, não posso deixar de citar Roseli Sousa e Janete Borges dois encantos que me abriram o coração e a alma para o universo mágico e fascinante dos livros.
Hoje emergem sonhos de rios, que nunca antes imaginei navegar, nutrindo e povoando meu imaginário embalando em ondas as minhas memórias, que efervescem na troca singular e coletiva em beleza de relacionar-se com o outro (os) meus estimuladores fieis Marçal, Andréa e Cléa que como finos e seletos gravetos não deixam apagar a chama que apresentam-se em labaredas esvoaçantes e que saltam em vôo, pingando fogo em outros seres também tocados, assim sigo espalhando e repassando Histórias e estórias narradas do coração de minhas vivências na simplicidade da vida cabocla, minhas origens em experiências que maturam meu ser e me impulsionam a cada vez mais mergulhar fundo nesse universo de encantamento, pelo desejo de descobrir, redescobrir, agora em grupo contando e povoando o imaginário de quem ouve a docialidade das escritas grafadas que ecoam nas vozes que conto-a-dores e amores, que causam arrepios e abrem sorrisos. Assim vou rabiscando em espiral as paginas inacabadas de cada dia de minha vida de contador.

Gilberto Silva

domingo, 7 de setembro de 2008

Cordel da memória

Ei, você, preste muita atenção:
Pois agora vou lhe dizer
Como em minha vida
Entrou das histórias a contação.

Meu pai, nordestino de nascimento
Muitas e muitas noites
Com versos de cordel
Fazia meu divertimento

Eram histórias fascinantes
De trancoso dizia ele ,
De mulheres tão arretadas
Que no diabo davam até nó
De homens tão espertos
Que aos enganavam
Só restava a dó.

E as histórias ficaram
Durante algum tempo
Em mim caladas
Até que alguém me disse:
Ei, acorda, história é pra ser contada!

E descobri em mim então
Um bicho que não se cala
Que entra por uma porta
E sai por outra
E se mostra pela fala.

E agora de conto em conto
Vivo aumentando um ponto
E se mais você quiser saber?
Deixa que depois eu te conto...


Ana Cunha

sábado, 6 de setembro de 2008

Porque conto histórias.

Parte da vivência “Caminhar”

Porque conto histórias...


Nonato Marçal – Eu acredito na humanidade, até me provando o contrário. Eu creio!

Ana Selma – Amo a literatura e tive a sorte de encontrar outra pessoa por ela apaixonada, que sem querer querendo encorajou-me e assim comecei a caminhar nesse caminho.

Luiza – Para entrar no mundo da imaginação.

Eny – É uma maneira de transmitir alegrias.

Cléa Magnólia – Porque é magia, é memória de passados e futuros que não vivi e não viverei se deixando eternizar... pela minha criança perpetuada pelo sol, pela lua, pela água, pelo fogo...

Adrine – Para manter aquecida a chama.

Maiolina – Porque amo as palavras que voam ao encontro do outro.

Sônia – Pelo prazer de saborear palavras, pelo sentimento poético que proporciona a mim e ao outro, pela troca do ouvir, falar e encantar pessoas.

Roseni - Contar é: Se apaixonar. Tanto quem conta quanto quem ouve. Conto histórias porque gosto de ouvir outras pessoas contando, me alegro, me emociono. Então, assim como sinto, também quero fazer com que os outros se emocionem se apaixonem pelas histórias que conto.

Rodrigo – Conto histórias para compartilhar vida, sentimentos, experiências... Conto história porque me sinto feliz e vivo de forma mais intensa a alteridade.

Gilberto – Alimentar a alma e a sabedoria.

Vânia Situba – Conto porque o instante existe, para não deixar ninguém triste. Conto para deixar na mente e no coração a semente da imaginação.

Nazaré Monteiro – Fazer uma criança sorrir faz parte da minha vida.

Joana – Eu conto histórias porque elas mexem com as pessoas você sente a cumplicidade no olhar dos ouvintes. É um momento de interação total, um misto de prazer para todos.

Paulo – Contar histórias é uma forma de construir significados, sentidos para vida (e para morte!)

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

O rito de nascimento do nome do grupo Ayvu Rapyta

23.08.2008

Sábado de sol e calor no intenso verão amazônico. Tempo propicio para um nascimento. Os contadores de história se reúnem em uma casinha no bosque... Bosque que fica bem no coração da cidade de Belém do Pará.
Pouco a pouco, um a um vem chegando e se aconchegando... Era dia de escolher um nome para o grupo. A escolha deu-se em um ambiente mágico, bem de acordo com o espírito dos contadores que aqui habitam.
Música no ar: ... Andar com Fé eu vou, a Fé não costuma falhar... Na vivência dos pés, dançamos com alegria para liberação do corpo e do espírito... Dançar é tão bom!
Pés descalços, contornados, pintados e recortados deixaram pegadas, marcas no chão como um convite para seguir em frente, sempre em frente... E, como as mulheres de algumas tribos africanas, saímos para o bosque em busca de um Nome, de um som, de uma palavra, fomos nos embrenhando entre a vegetação do bosque. Abraçamos árvores, colhemos flores, encontramos gravetos, descobrimos semente... Silenciosamente escutamos nossos corações... Retornamos, seguindo nossas pegadas.
Sentamos em círculo no chão. E a assembléia começou. A confraria é ouvida. Sete nomes são sugeridos. Sete nomes são votados. Nomes cheios de significado, cheios de beleza, cheios de sonoridade... Há! Que pena ter que escolher um só... É realizada a votação e um nome vem surgindo, sussurrado, criando corpo, criando forma... Ayvu Rapyta!
O grupo foi como uma gestante que nesses quase nove meses, desde a fecundação do grupo, aguardou com momentos alternados de calma e ansiedade o nascimento de seu bebê. Não queríamos uma criança prematura, e no momento certo ela aporta. Nasce a criança! Ayvu Rapyta é o nome.
Cheio de poesia, surgiu sob uma chuva de sementes “corrupio”...
Ayvu Rapyta!

Então, circularmente nos dançamos. Dançamos em agradecimento. Dançamos em louvor a natureza, e de seus elementos essenciais: água, fogo, terra e ar. No centro da roda “Os fundamentos do ser”, “Os fundamentos da palavra habitada”... Ayvu Rapyta.
Nome forte, que a principio provoca um estranhamento na pronúncia, e nem poderia ser diferente, pois na gramática indígena, existem algumas características fonéticas na estrutura da língua, totalmente diferente das da nossa língua portuguesa.
Um pássaro canta lá fora... Cai uma chuvinha leve... O batismo é realizado... Ayvu Rapyta!
Saímos de mãos dadas para entre as árvores, para que o espírito índio, ancestral dos primeiros moradores dessa terra, viesse se juntar a nós e assoprasse em nossos ouvidos o Ayvu Rapyta... Ayvu Rapyta... Ayvu Rapyta...
O nome pulsava em nossas gargantas no mesmo ritmo de nossos corações. E assim pudemos começamos a criar intimidade com o Nome, a segurar no colo a criança parida...

Kaka Werá Jecupé, em seu livro A Terra dos mil povos, diz:

O termo Ayvu significa “alma, ser, som habitado, palavra habitada”.
Ayvu Rapyta, passado de boca a boca com a responsabilidade do fogo sobre a noite estrelada, e através das cerimônias e encontros por que tenho passado com os ancestrais na terra e no sonho. (...) As culturas indígenas são guardiãs de uma memória coletiva. Nas sociedades tradicionais e indígenas cabe ao rito, como espaço simbólico de manifestação do sagrado, a incessante tarefa de dominar ou afastar o caos e estabelecer a ordem, por meio da dramatização coletiva. Dramatização ritual, definindo nossa identidade coletiva como grupo social e grupo de contadores.

Nós, contadores de história do Norte do Brasil, assentados sobre esse gigantesco tapete verde que é a Amazônia, reunidos como grupo, como força que representamos, frutos da diversidade cultural, social e étnica desse povo formado de índios, caboclos, ribeirinhos, camponeses e habitantes da metrópole, temos uma essência mítica. Guardamos no baú de nossa memória coletiva as lendas e histórias que habitam desde tempos imemoriais nossas terras, nossos rios, nossa floresta.
Sim, seguiremos contado histórias. Esse é o nosso legado. Formar o elo contemporâneo que se estica e segura com uma das mãos, as mãos dos contadores do passado e estende a outra em direção aos contadores do futuro, para que eles possam seguir completando a mágica corrente que roda o mundo, que gira pelas eras contando histórias. Essa é a forma que encontramos de perpetuar nossas mais profundas raízes.
Histórias que aqui já estavam, se juntaram a outras que para aqui chegaram de muito, muito, longe... Histórias que seguirão adiante, sempre, sempre, nesse ir e vir do mar no qual navega a raça humana. Histórias que nos permitem respirar, tomar ar nesse fosso tão denso daquilo que chamamos realidade.
Definitivamente seguiremos contando histórias. Com a consciência que as histórias não têm fronteiras. Elas atravessam o tempo nas assas do vento, na voz de quem conta. Contando e levando sempre adiante, semeando com amor no ouvido, no coração e na imaginação das pessoas de todas as idades, o mistério, a magia e o encanto.

Cléa Palha
Setembro 2008

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Para um amigo que nunca soube de minha existência...

Tenho amigos que não sabem o quanto são meus amigos. Não percebem o amor que lhes devoto e a absoluta necessidade que tenho deles...
Quando viajo e fico diante de lugares maravilhosos, cai-me alguma lágrima por não estarem junto de mim, compartilhando daquele prazer...
Se alguma coisa me consome e me
Tenho amigos que não sabem o quanto são meus amigos. Não percebem o amor que lhes devoto e a absoluta necessidade que tenho deles...
Quando viajo e fico diante de lugares maravilhosos, cai-me alguma lágrima por não estarem junto de mim, compartilhando daquele prazer...
Se alguma coisa me consome e me envelhece é que a roda furiosa da vida não me permite ter sempre ao meu lado, morando comigo, andando comigo, falando comigo, vivendo comigo, todos os meus amigos, e, principalmente os que só desconfiam ou talvez nunca vão saber que são meus amigos! A gente não faz amigos, reconhece-os.

(Vinícius de Moraes)

Existem pessoas que passam em nossas vidas e deixam marcas profundas, daquelas possuidoras de uma clarividência, sensibilidade, respeito ao ser humano e principalmente, uma enorme força interior, capaz de perceber o outro não como inferior, mas apenas como diferente.
O primeiro contato com uma destas pessoas aconteceu antes mesmo de “conhecê-lo”, foi quando visitei uma pequena parte do acervo do “Museu do Marajó” instalado no Museu do Estado do Pará. Levei três dias para visitá-lo completamente devido interesse suscitado. O museu completo fica localizado no município de Cachoeira do Arari. Os elementos da vida cotidiana marajoara encontravam-se de forma inteligente, bem humorada e regional. A cada coisa vista pensava em quem seria o idealizador, só poderia ser um autentico marajoara, nascido e criado naquele mundo de águas. Foi quando então li o nome “Giovanni Gallo” e logo vi que não se tratava de um nativo, mas como é possível um conhecimento tão profundo da alma do povo ribeirinho? Então fiquei com este nome em mente por um longo tempo, curiosamente precisava ouvir as histórias deste homem, como chegou aqui? De que maneira conseguiu o acervo do museu? Os depoimentos? As pesquisas? Seu dia-a-dia no arquipélago das águas!
O tempo passou só voltei a “encontrar-me” com Giovanni Gallo em 2001, quando conheci o Sr. Smith, dono da gráfica que imprimiu o jornal da escola em que eu trabalhava, ele contou-me que era amigo de um padre que havia feito uma pesquisa sobre os motivos ornamentais da cerâmica marajoara e editou num livro, e esse padre era o responsável pelo museu do Marajó. Não contive a alegria contando a fascinação sentida pelo museu e seu idealizador, descobrira naquele instante que Giovanni, era o Padre Gallo, que chegou por estes lados na década de 80 e nunca mais saiu.
Sr. Smith era o tesoureiro do museu, assim respondeu todas as indagações, por fim deu-me o exemplar do livro citado, e o convite para conhecer realmente o Museu do Marajó com seu acervo completo, era mais que um convite, era a possibilidade de falar com aquela pessoa que despertava tanto interesse em mim. O tempo foi passando repleto das intempéries da vida cotidiana e ate o dia de hoje para meu arrependimento eterno, não conheci o Museu.
Nas minhas andanças pelas livrarias descobri duas outras obras do Padre Gallo, “Marajó a ditadura da água” e “O homem que implodiu”. No entanto bastou ler o Marajó para meu encanto crescer pelo Padre Gallo. Quando aceitei o convite de “mergulhar” nas águas do Marajó com o Padre Gallo, é que percebi o sentido da expressão amor ao próximo e comprometimento, ele penetrou no universo daquele povo como ninguém! Aprendeu a conviver com animais, crenças, miséria, doenças, injustiças e com a ditadura imposta pelas águas, elementos que não são fáceis de experimentar, nem mesmo pelos daqui. Envolveu-se em muitas encrencas, como dizemos, por não fechar os olhos às injustiças feitas ao povo humilde.
O desejo de conhecer a cultura amazônica, desde as gírias, as tradições, as histórias, e as crenças criaram laços no padre, que acredito eu, fizeram dele um apaixonado pela cultura marajoara, senão como explicar a dedicação pelo Museu? No livro isto fica claro no capitulo intitulado “O pajé”, que narra sua visita a uma sessão de pajelança, em momento algum se observa no relato comentários depreciativos, preconceituosos, e sim a visão de um pesquisador, disposto a captar a essência, a beleza do ritual. O relato termina com o desabafo do Padre “Graças a Deus eu tive a sorte. Se o pajé tivesse dito que eu sou safado, ninguém, nem o Papa com uma carta encíclica, teria força bastante para reabilitar-me”, referindo-se ao fato de o pajé ter dito a todos durante o ritual que o padre era realmente virgem. Giovanni rendeu o devido respeito a uma autoridade para o povo que conserva suas raízes indígenas, mesmo freqüentando a igreja católica, o povo reverencia o pajé com suas puçangas representando esta ancestralidade.
E assim o livro virou um companheiro, de certa forma era como se “falasse” com o padre Gallo, ou melhor, ouvisse suas histórias, é esta a sensação tida, a leitura do livro trás de volta o tempo que sentava na escada da casa da vovó e ouvia as histórias de sua vida passadas no interior, desde as de assombrações, botos, até as de pescas, plantas, etc.
Deixei meu companheiro algum tempo guardado na estante, às vezes o tempo é cruel, não permite que possamos dedicar-nos ao que realmente nos trás contentamento.
Somente no dia 07 de março de 2003, resolvi rever meu companheiro, tinha que ir a UFPA resolver uns assuntos, lá o ambiente é inspirador, pensei em sentar na beira do rio, com aquela brisa fria do inverno amazônico, quem sabe ter a sorte de ver um boto boiando, muitas pessoas dizem que avistaram ali.
Saí de casa após o almoço, cheguei a UFPA e me dirigi a um banco na beira do rio, conforme tinha ansiado, tirei o “Marajó” da bolsa e abri sem escolher um capitulo especifico, foi este, “Quando Deus precisar de você”, tratando da morte nas visões do marajoara e do europeu. Para o europeu o morto não é acolhido, velado, entrega-se uma firma responsável para cuidar do funeral, mantendo-o longe da família. Já para o povo do marajó, segundo o Padre Gallo, o morto é rodeado de atenções pela família e vizinhos, orações, velas, flores, supertições, etc.
A leitura desse capitulo serviu de base para abrir o baú de minhas memórias, relembrando o que nos foi ensinado sobre a morte amazônica e seus rituais, neste momento senti um temor, de não conhecer pessoalmente o Padre Gallo, deu um aperto no coração, pois sabia da sua idade avançada, e novamente proferi as palavras, tenho medo que ele morra! Seria algo que não me perdoaria, e fiquei pensando na importância deste homem, na sua sabedoria, sua visão ampla de mundo, e na escolha pelo Marajó.
Foi somente quando cheguei em casa por volta das 18:30, liguei a tv para ouvir as noticias no jornal local, que recebi uma noticia que causaria impacto, naquela tarde o Padre Giovanni Gallo de 76 anos havia falecido, não acreditei, como poderia, o mundo do Marajó ainda precisavam muito dele, e eu que nem sequer o conheci, ouvi sua voz, conheci as outras histórias. Não sei o que aconteceu, posso chamar de coincidência, mas como explicar aquela tarde, minhas palavras, meus sentimentos, e a morte dele. A sensação de deixar de fazer o que deveria ser feito é horrível, paralisadora. Vi pela Tv o Sr. Smith, parecia estar cuidando dos trâmites legais para o sepultamento que será onde com certeza ele gostaria, no Museu, em Cachoeira, no Marajó, ele era um dos inúmeros amigos que o Padre Gallo possuía nesta terra que o acolheu, e que foi acolhida por ele, com certeza tais amigos hoje choram a perca irreparável deste mecenas do Marajó, alguns choram sua morte, mesmo sem ele nunca ter sabido da existência destes amigos.
Hoje o dia amanheceu cinza, triste, os passarinhos nem vieram cantar na arvore do quintal...Li na primeira pagina do jornal a seguinte matéria: “Morre italiano que deu a vida pelo Marajó”, pensei nos versos do poeta, “quando eu morrer, se eu não for pro céu, eu vou lá pro Marajó, montar num cavalo baio debaixo das cores do sol”.


Andréa Cozzi

Em 08/03/03