Ayvu Rapyta - Palavra Habitada
Somos um grupo de contadores de histórias
que tem como fio condutor as narrativas contadas e costuradas na roca do tempo das culturas.
Buscamos no prazer das leituras, habitar com sonho e magia no coração das pessoas.
www.ayvurapyta@gmail.com e também no facebook

sábado, 6 de setembro de 2008

Porque conto histórias.

Parte da vivência “Caminhar”

Porque conto histórias...


Nonato Marçal – Eu acredito na humanidade, até me provando o contrário. Eu creio!

Ana Selma – Amo a literatura e tive a sorte de encontrar outra pessoa por ela apaixonada, que sem querer querendo encorajou-me e assim comecei a caminhar nesse caminho.

Luiza – Para entrar no mundo da imaginação.

Eny – É uma maneira de transmitir alegrias.

Cléa Magnólia – Porque é magia, é memória de passados e futuros que não vivi e não viverei se deixando eternizar... pela minha criança perpetuada pelo sol, pela lua, pela água, pelo fogo...

Adrine – Para manter aquecida a chama.

Maiolina – Porque amo as palavras que voam ao encontro do outro.

Sônia – Pelo prazer de saborear palavras, pelo sentimento poético que proporciona a mim e ao outro, pela troca do ouvir, falar e encantar pessoas.

Roseni - Contar é: Se apaixonar. Tanto quem conta quanto quem ouve. Conto histórias porque gosto de ouvir outras pessoas contando, me alegro, me emociono. Então, assim como sinto, também quero fazer com que os outros se emocionem se apaixonem pelas histórias que conto.

Rodrigo – Conto histórias para compartilhar vida, sentimentos, experiências... Conto história porque me sinto feliz e vivo de forma mais intensa a alteridade.

Gilberto – Alimentar a alma e a sabedoria.

Vânia Situba – Conto porque o instante existe, para não deixar ninguém triste. Conto para deixar na mente e no coração a semente da imaginação.

Nazaré Monteiro – Fazer uma criança sorrir faz parte da minha vida.

Joana – Eu conto histórias porque elas mexem com as pessoas você sente a cumplicidade no olhar dos ouvintes. É um momento de interação total, um misto de prazer para todos.

Paulo – Contar histórias é uma forma de construir significados, sentidos para vida (e para morte!)

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

O rito de nascimento do nome do grupo Ayvu Rapyta

23.08.2008

Sábado de sol e calor no intenso verão amazônico. Tempo propicio para um nascimento. Os contadores de história se reúnem em uma casinha no bosque... Bosque que fica bem no coração da cidade de Belém do Pará.
Pouco a pouco, um a um vem chegando e se aconchegando... Era dia de escolher um nome para o grupo. A escolha deu-se em um ambiente mágico, bem de acordo com o espírito dos contadores que aqui habitam.
Música no ar: ... Andar com Fé eu vou, a Fé não costuma falhar... Na vivência dos pés, dançamos com alegria para liberação do corpo e do espírito... Dançar é tão bom!
Pés descalços, contornados, pintados e recortados deixaram pegadas, marcas no chão como um convite para seguir em frente, sempre em frente... E, como as mulheres de algumas tribos africanas, saímos para o bosque em busca de um Nome, de um som, de uma palavra, fomos nos embrenhando entre a vegetação do bosque. Abraçamos árvores, colhemos flores, encontramos gravetos, descobrimos semente... Silenciosamente escutamos nossos corações... Retornamos, seguindo nossas pegadas.
Sentamos em círculo no chão. E a assembléia começou. A confraria é ouvida. Sete nomes são sugeridos. Sete nomes são votados. Nomes cheios de significado, cheios de beleza, cheios de sonoridade... Há! Que pena ter que escolher um só... É realizada a votação e um nome vem surgindo, sussurrado, criando corpo, criando forma... Ayvu Rapyta!
O grupo foi como uma gestante que nesses quase nove meses, desde a fecundação do grupo, aguardou com momentos alternados de calma e ansiedade o nascimento de seu bebê. Não queríamos uma criança prematura, e no momento certo ela aporta. Nasce a criança! Ayvu Rapyta é o nome.
Cheio de poesia, surgiu sob uma chuva de sementes “corrupio”...
Ayvu Rapyta!

Então, circularmente nos dançamos. Dançamos em agradecimento. Dançamos em louvor a natureza, e de seus elementos essenciais: água, fogo, terra e ar. No centro da roda “Os fundamentos do ser”, “Os fundamentos da palavra habitada”... Ayvu Rapyta.
Nome forte, que a principio provoca um estranhamento na pronúncia, e nem poderia ser diferente, pois na gramática indígena, existem algumas características fonéticas na estrutura da língua, totalmente diferente das da nossa língua portuguesa.
Um pássaro canta lá fora... Cai uma chuvinha leve... O batismo é realizado... Ayvu Rapyta!
Saímos de mãos dadas para entre as árvores, para que o espírito índio, ancestral dos primeiros moradores dessa terra, viesse se juntar a nós e assoprasse em nossos ouvidos o Ayvu Rapyta... Ayvu Rapyta... Ayvu Rapyta...
O nome pulsava em nossas gargantas no mesmo ritmo de nossos corações. E assim pudemos começamos a criar intimidade com o Nome, a segurar no colo a criança parida...

Kaka Werá Jecupé, em seu livro A Terra dos mil povos, diz:

O termo Ayvu significa “alma, ser, som habitado, palavra habitada”.
Ayvu Rapyta, passado de boca a boca com a responsabilidade do fogo sobre a noite estrelada, e através das cerimônias e encontros por que tenho passado com os ancestrais na terra e no sonho. (...) As culturas indígenas são guardiãs de uma memória coletiva. Nas sociedades tradicionais e indígenas cabe ao rito, como espaço simbólico de manifestação do sagrado, a incessante tarefa de dominar ou afastar o caos e estabelecer a ordem, por meio da dramatização coletiva. Dramatização ritual, definindo nossa identidade coletiva como grupo social e grupo de contadores.

Nós, contadores de história do Norte do Brasil, assentados sobre esse gigantesco tapete verde que é a Amazônia, reunidos como grupo, como força que representamos, frutos da diversidade cultural, social e étnica desse povo formado de índios, caboclos, ribeirinhos, camponeses e habitantes da metrópole, temos uma essência mítica. Guardamos no baú de nossa memória coletiva as lendas e histórias que habitam desde tempos imemoriais nossas terras, nossos rios, nossa floresta.
Sim, seguiremos contado histórias. Esse é o nosso legado. Formar o elo contemporâneo que se estica e segura com uma das mãos, as mãos dos contadores do passado e estende a outra em direção aos contadores do futuro, para que eles possam seguir completando a mágica corrente que roda o mundo, que gira pelas eras contando histórias. Essa é a forma que encontramos de perpetuar nossas mais profundas raízes.
Histórias que aqui já estavam, se juntaram a outras que para aqui chegaram de muito, muito, longe... Histórias que seguirão adiante, sempre, sempre, nesse ir e vir do mar no qual navega a raça humana. Histórias que nos permitem respirar, tomar ar nesse fosso tão denso daquilo que chamamos realidade.
Definitivamente seguiremos contando histórias. Com a consciência que as histórias não têm fronteiras. Elas atravessam o tempo nas assas do vento, na voz de quem conta. Contando e levando sempre adiante, semeando com amor no ouvido, no coração e na imaginação das pessoas de todas as idades, o mistério, a magia e o encanto.

Cléa Palha
Setembro 2008