Ayvu Rapyta - Palavra Habitada
Somos um grupo de contadores de histórias
que tem como fio condutor as narrativas contadas e costuradas na roca do tempo das culturas.
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sábado, 19 de julho de 2008

Max Martins


... E veio o Amor, este Amazonas
fibras febres
e mênstruo verde
este rio enorme, Paul de cobras
onde afinal boiei e enverdeci
amei e apodreci.

Os versos fortes do poema Travessia I, de 1966, revelam a intimidade do poeta Max Martins com o jogo de palavras e imagens, matéria prima da poesia.Disciplinado, Max é autodidata. Concluiu somente o curso primário, mas aprofundou-se no estudo da palavra através da leitura de ensaios, romances e poemas. Fez parte de uma geração de intelectuais que freqüentavam as reuniões do Central Café, em Belém, lideradas pelo professor Francisco Paulo do Nascimento Mendes, o Chico Mendes.Ao longo da vida, publicou onze livros que estão reunidos na Poesia Completa "Não Para Consolar", de 1992, Edições Cejup.Hoje, Max Martins é o maior poeta paraense em atividade. Em entrevista ao jornalista Tito Barata, fala de vida, poesia e lembranças. Vejamos algumas partes:

Afinal, o que é a poesia?

Max - Eu não sei, busco saber o que seja. Pergunto para ela... A poesia é sempre uma dúvida. Começa que a palavra que a gente tem a ilusão... Mente a si mesmo de que a palavra é a coisa, mas nunca é a coisa. É como diz o mestre zen budista: Não confunda a lua com o dedo apontando para a lua.

Como você inicia na poesia?

Max - Eu começo na poesia entre os 14 e 15 anos. Uma poesia nos moldes de então: parnasiana, bem feita, de acordo com o figurino acadêmico e tradicional. Depois eu descobri o Modernismo. Eu devo ao [Francisco] Chico [Paulo do Nascimento] Mendes a descoberta do Modernismo. Um moleque lá da rua onde eu morava me disse: Eu tenho um professor [Chico Mendes] no Colégio Nazaré que nos ensina que a poesia não é obrigada a ter metrificação, rima e versos que fecham com o poema. Eu refleti e então me danei a fazer poemas modernistas, que, mais tarde, deságuam no meu primeiro livro "O Estranho", de 1952, na mesma coleção de "A Linha Imaginária" de Ruy Barata.

O que te levou a escrever poesia?

Max - Eu acho que sempre, em criança, eu quis me exibir. Eu tinha inveja dos garotos reunidos na porta da minha casa, na adolescência, que improvisavam peças de teatro na rua. E esses garotos se entrosavam bem com as garotas das redondezas. Eu ficava com inveja, me achando incompetente para representar. Então eu descobri um poema, dentre os recortes da minha mãe, de um poeta paraense [Rocha Júnior], meu tio, irmão dela, que era dedicado à mãe dele. Logo também fiz um, dedicado à minha mãe, sem metrificação, nem nada. E por aí fui... Eu ganhei os anos, fiz poemas de acordo com o tratado de versificação do Olavo Bilac e Guimarães Passos, até descobrir o Chico Mendes que me apresenta ao Modernismo.

Como você escreve? Você guarda os seus fragmentos?

Max - Sim. Eu guardo. Eu escrevo com caneta. Uso cadernos, mas atualmente pego qualquer papel, o que estiver mais à mão. Eu durmo muito tarde, ou melhor, eu acordo muito cedo, três da manhã. E não durmo mais porque também é sinal da velhice, fico sem sono. Mas não me angustio por causa disso. Angustio-me ao fazer o poema, me angustio até fisicamente, fico cansado. Eu guardo nos cadernos aquilo que eu chamei de Palavras a esmo. Eu quero que essas palavras não sejam minhas.Um dia, do meu diário que tem muitas palavras a esmo, imagens a esmo, que eu não quero minhas, vou retocar, ao acaso, essas palavras. Então esse meu trabalho de retocar, de reescrever, eu quero que sejam minhas, que sejam a minha vida. E aí o poema passa a ser biográfico, mas não biográfico imediatista das minhas dores de cotovelo ou qualquer coisa.

Por que você nunca quis ser membro da Academia Paraense de Letras? Você já recebeu convite?

Max - Nunca fui tentado a entrar, embora tenha recebido convite de alguns acadêmicos. Nunca tive o entusiasmo dos que queriam me botar lá. A Academia é presa à tradição e eu sou modernista do princípio ao fim. Não gostos dos princípios da formação das academias, embora tenham muitos bons representantes. Essa formação está se modificando, mas não me interessa.Você trabalha na construção dos poemas constantemente.

Se amanhã uma editora quisesse editar um livro teu, você teria o material pronto?

Max - O material será uma reedição ampliada do "Não para consolar" com poemas inéditos. Estou preparando para lançar.

Estaria pronto um livro inédito para amanhã?

Max - Eu nunca me apresso, nunca tenho urgência, porque eu sei para onde eu vou.

Para onde?

Max - Para o mistério da poesia.

domingo, 13 de julho de 2008

A escrita é dom, arma e vitória

“Sou mulher e escrevo. Sou plebéia e sei ler. Nasci serva e sou livre. Vi coisas maravilhosas em minha vida. Fiz coisas maravilhosas em minha vida. Durante algum tempo, o mundo foi um milagre. Depois a escuridão voltou. A pena treme entre meus dedos a cada vez que o aríete investe contra a porta. Um sólido portão de metal e madeira que não tardará a despedaçar-se. Pesados e suados homens de ferro se amontoam na entrada. Vêm a nossa procura. As Boas Mulheres rezam. Eu escrevo. É minha maior vitória, minha conquista, o dom do qual me sinto mais orgulhosa; e as palavras, embora estejam sendo devoradas pelo grande silêncio, hoje constituem a minha única arma. A tinta estremece no tinteiro com os golpes, também ela assustada. Sua superfície se eriça como a de um pequeno lago tenebroso. Mas depois se aquieta estranhamente. Levanto a cabeça, esperando uma invasão que não chega. O aríete parou.”
São as primeiras linhas do romance História do Rei Transparente, de Rosa Montero (Ediouro, 2006). A narrativa conta a história da camponesa Liola, dos 15 aos 40 anos, no século XII, vivendo as transformações desse período histórico na Europa. É mais uma narrativa de ambientação na Idade Média e de exposição de idéias e acontecimentos que transformaram a sociedade. Ao se vestir como homem e viver das batalhas e dos feitos de cavalaria, ela é uma espécie de “donzela guerreira”, motivo recorrente da literatura ao longo do tempo. A diferença está em que a arma mais poderosa com que pode lutar é aquela que preserva sua história de erros e acertos: a escrita. A palavra que, segundo o escrivão Morbidus, tem ainda condições de criar: “Quando escrevo alguma coisa, torno-a real”, diz ele. Este romance é, simultaneamente, a história fictícia de Liola, a retomada na ficção da história medieval, a história do Rei Transparente (narrativa metafórica e maldita que acompanha todo o romance) e a história da escrita do livro.
Rosa Montero já havia demonstrado a crença na escrita e a paixão de ler em A louca da casa (Ediouro, 2004), autobiografia literária de grande beleza e verdade. Ao enredar neste novo livro os vários níveis e espécies de histórias, demonstra o quanto a escrita tem o poder de aglutinar, ampliar, discutir, registrar, sugerir, evocar, transpor, encantar, e muitos verbos mais. A rude camponesa aprendeu a ler com a amiga Nyneve, a quem se atribui na narrativa a condição de “bruxa do conhecimento”: alguém capaz de encontrar soluções e saídas, além de dotada de perspicácia e capacidade de utilização de informações e espírito conectado com informações atualizadas. Isso lhe permite análises em profundidade, previsão de acontecimentos futuros, consciência do presente, capacidade de articulação de idéias.
Com ela, Liola ensaia as primeiras palavras escritas, que lhe abrem, sempre que um livro está a sua disposição, as portas para a informação e para o conhecimento de novos e mais amplos horizontes culturais. E lhe permite, ao cabo, escrever o romance, que lemos com avidez.
No fragmento citado acima é possível perceber como o medo e a solidão encontram forças e companhia na medida em que as palavras são inscritas e preservadas. Ao mesmo tempo, elas oferecem resistência e encorajamento. Numa simbiose com o espaço e os acontecimentos, o tinteiro move-se e treme seguindo o rito do aríete. Quando o texto e a pena suspendem sua atividade, o aríete pára. A palavra-arma fez recuar o instrumento da guerra, que forçava as portas do palácio e a liberdade de seus habitantes.
Em A louca da casa, Rosa Montero afirmava: “A palavra é que nos faz humanos”. Fiel a essa crença, ela define sua prática de escrita: “Eu coloquei e continuo colocando palavras no nada”. Consciência perfeita do fazer literário, do uso da condição humana da palavra: o nada aparece metamorfoseado em romance, em resposta, em interação com outros humanos, capazes, também eles, de outras e significativas palavras.
A passagem do estado de plebéia e serva para as maravilhas vivenciadas e vistas não se distancia da competência da escrita. As palavras se gravam do mesmo modo que as preces: ambas são armas, ambas vencem o silêncio e a debilidade.
Toda vez que me encontro com um texto com essa qualidade, me assaltam as imagens de seres distanciados da força da palavra, que a renegam, que a consideram dispensável e cerceadora. Penso nos analfabetos, nas crianças iletradas, nos jovens monossilábicos, nos adultos sem direito sequer à voz. Sem armas para deter a destruidora ação dos aríetes sociais e ideológicos, os que não aprenderam a ver a palavra como identidade humana estão muito mais sujeitos à invasão e à derrota.
Será que a sociedade brasileira se dá conta da destruição de qualquer futuro mais humano quando menospreza as questões da educação? Quando sobrepõe as armas da nãomeimportismo aos baixos índices de leitura compreensiva no Brasil? Os professores percebem quanto sua ação pedagógica pouco eficaz diminui as chances de defesa de seus alunos na guerra do dia-a-dia? Os alunos têm consciência de quanto perdem do presente e do porvir quando atribuem à educação o mesmo valor que a um game envelhecido e já vencido?
Bem poderiam eles dizer, como a personagem de Rosa Montero, a escrita “é minha maior vitória, minha conquista, o dom do qual me sinto mais orgulhosa...”. Bem poderiam...

Marta Morais da Costa [18/03/2007]
(Texto enviado por Delani Alves)

A menina e o pássaro encantado

Era uma vez uma menina que tinha um pássaro como seu melhor amigo. Ele era um pássaro diferente de todos os demais: Era encantado. Os pássaros comuns, se a porta da gaiola estiver aberta, vão embora para nunca mais voltar. Mas o pássaro da menina voava livre e vinha quando sentia saudades...
Suas penas também eram diferentes. Mudavam de cor. Eram sempre pintadas pelas cores dos lugares estranhos e longínquos por onde voava.
Certa vez, voltou totalmente branco, cauda enorme de plumas fofas como o algodão.
"- Menina, eu venho de montanhas frias e cobertas de neve, tudo maravilhosamente branco e puro, brilhando sob a luz da lua, nada se ouvindo a não ser o barulho do vento que faz estalar o gelo que cobre os galhos das árvores. Trouxe, nas minhas penas, um pouco de encanto que eu vi, como presente para você...".
E assim ele começava a cantar as canções e as estórias daquele mundo que a menina nunca vira. Até que ela adormecia, e sonhava que voava nas asas do pássaro.
Outra vez voltou vermelho como fogo, penacho dourado na cabeça.
"... Venho de uma terra queimada pela seca, terra quente e sem água, onde os grandes, os pequenos e os bichos sofrem a tristeza do sol que não se apaga. Minhas penas ficaram como aquele sol e eu trago canções tristes daqueles que gostariam de ouvir o barulho das cachoeiras e ver a beleza dos campos verdes. E de novo começavam as estórias.
A menina amava aquele pássaro e podia ouvi-lo sem parar, dia após dia. E o pássaro amava a menina, e por isso voltava sempre.
Mas chegava sempre uma hora de tristeza.
"- Tenho que ir", ele dizia.
"- Por favor não vá, fico tão triste, terei saudades e vou chorar....".
"- Eu também terei saudades", dizia o pássaro. "-- Eu também vou chorar. Mas eu vou lhe contar um segredo: As plantas precisam da água, nós precisamos do ar, os peixes precisam dos rios... E o meu encanto precisa da saudade. É aquela tristeza, na espera da volta, que faz com que minhas penas fiquem bonitas. Se eu não for, não haverá saudades. Eu deixarei de ser um pássaro encantado e você deixará de me amar.
Assim ele partiu. A menina sozinha, chorava de tristeza à noite. Imaginando se o pássaro voltaria. E foi numa destas noites que ela teve uma idéia malvada.
"- Se eu o prender numa gaiola, ele nunca mais partirá; será meu para sempre. Nunca mais terei saudades, e ficarei feliz".
Com estes pensamentos comprou uma linda gaiola, própria para um pássaro que se ama muito. E ficou à espera. Finalmente ele chegou, maravilhoso, com suas novas cores, com estórias diferentes para contar. Cansado da viagem, adormeceu.
Foi então que a menina, cuidadosamente, para que ele não acordasse, o prendeu na gaiola para que ele nunca mais a abandonasse. E adormeceu feliz. Foi acordar de madrugada, com um gemido triste do pássaro.
"- Ah! Menina... Que é que você fez? Quebrou-se o encanto. Minhas penas ficarão feias e eu me esquecerei das estórias...".
Sem a saudade, o amor irá embora...
A menina não acreditou. Pensou que ele acabaria por se acostumar. Mas isto não aconteceu. O tempo ia passando, e o pássaro ia ficando diferente. Caíram suas plumas, os vermelhos, os verdes e os azuis das penas transformaram-se num cinzento triste. E veio o silêncio; deixou de cantar.
Também a menina se entristeceu. Não, aquele não era o pássaro que ela amava. E de noite ela chorava pensando naquilo que havia feito ao seu amigo... Até que não mais agüentou.
Abriu a porta da gaiola.
"- Pode ir, pássaro, volte quando quiser...".
"- Obrigado, menina. É, eu tenho que partir. É preciso partir para que a saudade chegue e eu tenha vontade de voltar. Longe, na saudade, muitas coisas boas começam a crescer dentro da gente. Sempre que você ficar com saudades, eu ficarei mais bonito.
Sempre que eu ficar com saudades, você ficará mais bonita. E você se enfeitará para me esperar...
E partiu. Voou que voou para lugares distantes. A menina contava os dias, e cada dia que passava a saudade crescia.
"- Que bom, pensava ela, meu pássaro está ficando encantado de novo...". E ela ia ao guarda-roupa, escolher os vestidos; e penteava seus cabelos, colocava flores nos vasos...
"- Nunca se sabe. Pode ser que ele volte hoje...
Sem que ela percebesse, o mundo inteiro foi ficando encantado como o pássaro. Porque em algum lugar ele deveria estar voando. De algum lugar ele haveria de voltar.
AH! Mundo maravilhoso que guarda em algum lugar secreto o pássaro encantado que se ama... E foi assim que ela, cada noite ia para a cama, triste de saudade, mas feliz com o pensamento.
- Quem sabe ele voltará amanhã....
E assim dormia e sonhava com a alegria do reencontro.
Rubens Alves