O cego e o caçador
"Era uma vez um homem cego que morava numa
palhoça, com sua irmã, numa aldeia na orla da Floresta. Esse homem era muito
inteligente. Apesar de seus olhos não enxergarem nada, ele parecia saber mais
sobre o mundo do que as pessoas cujos olhos viam tudo.
Costumava sentar-se à porta de sua palhoça e
conversar com quem passava. Quando alguém tinha problemas, perguntava-lhe o que
fazer e ele sempre dava um bom conselho.
Quando alguém queria saber alguma coisa, ele dizia,
e suas respostas eram sempre corretas. As pessoas balançavam a cabeça,
admiradas:
- Como é que você consegue saber tanta coisa, sem
enxergar? E o cego sorria, dizendo:
- É que eu enxergo com os ouvidos.
Bem, um dia a irmã do cego se apaixonou. Ela se
apaixonou por um caçador de outra aldeia. E logo o caçador se casou com a irmã
do cego.
Depois da festa de casamento, o caçador foi morar
na palhoça, com a esposa. Mas o caçador não tinha paciência com o irmão da
mulher, não tinha nenhuma paciência com o cego.
- Para que serve um homem cego? - ele dizia. E a
mulher respondia:
- Ora, marido, ele sabe mais coisas do mundo do que
as pessoas que enxergam. O caçador ria:
- Ha, ha, ha, o que pode saber um cego, que vive na
escuridão? Ha, ha, ha...
Todos os dias, o caçador ia para a floresta com
seus alçapões, lanças e flechas. E todas as tardes, quando o caçador voltava à
aldeia, o cego dizia:
- Por favor, amanhã deixe-me ir com você caçar na
floresta.
Mas o caçador balançava a cabeça:
- Para que serve um homem cego? Dias, semanas e
meses se passavam, e todas as tardes o homem cego pedia:
- Por favor, amanhã deixe-me caçar também. E todas
as tardes o caçador dizia que não. Uma tarde, porém, o caçador chegou de bom
humor. Tinha trazido para casa uma bela caça, uma gazela bem gorda.
Sua mulher temperou e assou a carne e, quando eles
acabaram de comer, o caçador disse ao homem cego:
- Pois bem, amanhã você vai caçar comigo.
Assim, na manhã seguinte os dois foram juntos para
a floresta, o caçador carregando seus alçapões, lanças e flechas, e conduzindo
o cego pela mão, por entre as árvores. Andaram horas e horas.
Então, de repente, o cego parou e puxou a mão do
caçador:
- Psss, um leão!
O caçador olhou ao redor e não viu nada.
- É um leão, sim, mas está tudo bem. Ele não está faminto
e está dormindo profundamente. Não vai nos fazer mal.
Continuaram seu caminho e, de fato, encontraram um
leão dormindo a sono solto, debaixo de uma árvore.
Depois que passaram pelo animal, o caçador
perguntou:
- Como você sabia do leão?
- É que eu enxergo com os ouvidos.
Andaram por mais quatro horas, e então o cego puxou
de novo a mão do caçador:
- Psss, um elefante!
O caçador olhou ao redor e não viu nada.
- É um elefante, sim, mas tudo bem. Ele está dentro
de uma poça d'água e não vai nos fazer mal.
Continuaram seu caminho e, de fato, encontraram um
elefante imenso, chapinhando numa poça d'água, esguichando lama nas próprias
costas.
Depois que passaram pelo animal, o caçador
perguntou:
- Como você sabia do elefante?
- É que eu enxergo com os ouvidos.
Continuaram seu caminho, se aprofundando cada vez
mais na floresta, até chegarem a uma clareira. O caçador disse:
- Vamos deixar nossos alçapões aqui.
O caçador armou um alçapão e ensinou o cego a armar
o outro. Quando os dois alçapões estavam armados, o caçador disse:
- Amanhã vamos voltar para ver o que pegamos. E os
dois voltaram juntos para a aldeia. Na manhã seguinte, acordaram cedo. Mais uma
vez, foram andando pela floresta. O caçador se ofereceu para segurar a mão do
cego, mas o cego disse:
- Não, agora já conheço o caminho.
Dessa vez, o homem cego foi andando na frente. Não
tropeçou em nenhuma raiz nem toco de árvore. Não errou o caminho nem uma vez.
Andaram, andaram, até chegarem à clareira em que
tinham armado os alçapões.
De longe, o caçador viu que havia um pássaro preso
em cada alçapão. De longe, viu que o pássaro preso em seu alçapão era pequeno e
cinzento e que o pássaro preso no alçapão do cego era lindo, com penas verdes,
vermelhas e douradas.
- Sente-se ali - ele disse. - Cada um de nós
apanhou um pássaro. Vou tirá-los dos alçapões.
O cego sentou-se e o caçador foi até os alçapões,
pensando: - Um homem que não enxerga nunca vai perceber a diferença.
E o que foi que ele fez? Deu ao cego o pequeno
pássaro cinzento e ficou com o lindo pássaro de penas verdes, vermelhas e
douradas.
O cego pegou o pássaro cinzento nas mãos,
levantou-se e os dois rumaram de volta para casa. Andaram, andaram, e a certa
altura o caçador disse:
- Já que você é tão inteligente e enxerga com os
ouvidos, responda uma coisa: - Por que há tanta desavença, ódio e guerra neste
mundo?
O cego respondeu:
- Porque este mundo está cheio de gente como você,
que pega o que não é seu. O caçador se encheu de vergonha. Pegou o pássaro
cinzento da mão do cego e deu-lhe o pássaro lindo, de penas verdes, vermelhas e
douradas.
- Desculpe - ele disse.
Os dois continuaram andando, e a certa altura o
caçador disse: - Já que você é tão inteligente e enxerga com os ouvidos,
responda outra coisa:
- Por que há tanto amor, bondade e conciliação
neste mundo?
O cego respondeu:
- Porque este mundo está cheio de gente como você,
que aprende com seus próprios erros.
Os dois continuaram andando, até chegarem à aldeia.
E, a partir daquele dia, quando alguém perguntava
ao cego:
- Como é que você consegue saber tanta coisa, sem
enxergar? Era o caçador que respondia:
- É que ele enxerga com os ouvidos... E ouve com o coração."
Hugh Lupton
Extraído do livro "Histórias de Sabedoria e
Encantamento"
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